terça-feira, abril 04, 2006

No dentista - Branco Leone

Ele ilumina minha boca escancarada, avança para dentro dela com a seringa, espeta a agulha na gengiva e, cabrestando-me enquanto empurra o êmbolo, pergunta:
— Tudo bem?
De boca arreganhada e língua presa pelo seu indicador, eu só consigo mesmo gemer um a-hã. Dez segundos. Vinte segundos. A língua fica seca. Trinta segundos. Ele pergunta:
— Tudo bem?
Que diabo! Como pode estar tudo bem? E respondo:
— A-hã...
Um minuto de boca aberta — eu sei que é um minuto porque estou olhando o ponteiro dos segundos dar uma volta no relógio da parede — e lá vem ele:
— Tudo bem?
Quando ele tirar essa merda da minha boca, vai ouvir poucas e boas. Mas respondo:
— A-hã...
Um minuto e meio, e a ampola se esgota. Ele afasta a seringa, espirra água no lugar da picada e, com o queixo, indica o urinol suspenso ao meu lado para que a cuspa — qualquer dia, ainda mijo naquilo! Enquanto me livro da água ensangüentada, ouço o mantra:
— Tudo bem?
— Pergunta mais besta! — respondo entre cuspidas — Um marmanjo com uma seringa e nove dedos enfiados na minha boca, a garganta seca e um galão de anestesia estufando minha gengiva! Como pode estar tudo bem?
— Então por que você respondeu que estava?

E pensar que eles estranham porque a gente não gosta deles...

5 comentários:

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