domingo, abril 30, 2006

Oito perguntas básicas sobre musculação - Fred Azevedo

1. Qual a importância da nutrição na construção de músculos?
Toda a importância do mundo ! Hoje muitos estudiosos já dizem que o que você come corresponde a 70% do seu sucesso na musculação, seja qual for o objetivo, bodybuilding ou powerlifting. O que é ingerido será usado como combustível nos treinamentos e como fabricante de massa muscular. Não existe mais nenhum atleta que não dê essa importância a elaboração da sua dieta.
2. Qual a quantidade de músculos que consigo ganhar em um ano de treino?
Como cada pessoa tem respostas diferentes aos tipos de treino e de dietas, ainda é impossível que se tenha essa definição com precisão, mas para o grande Schwarzenegger, mesmo uma pessoa com um genética inadequada, consegue algo como 5 a 6 quilos em seu primeiro ano de treino, e uma mulher cerca de 3 quilos. Esses números cairiam pela metade nos próximos anos. Por exemplo: um iniciante conseguiria 6 KGs no primeiro ano, 3 KGs no ano seguinte, e seguiria com 1,5 KG nos anos seguintes. Claro que isso vai variar de pessoa para pessoa, dependendo do treino, da determinação, da genética e da dieta.
3. Quantas calorias eu necessito para ganhar volume muscular?
Também vai variar de indivíduo para indivíduo, mas treinos intensos vão exigir um número adequado de calorias. Para crescer, você tem que determinar qual será essa quantidade. Pegue o total de calorias diárias e divida por 3. Em seguida adicione 500 calorias a esse número, e assim continua até chegar a uma quantidade que esteja suprindo a energia necessária e causando crescimento.
4. Qual a quantidade de proteína que vou precisar?
Hoje diversos estudos comprovam o que levantadores de peso já sabem há anos: precisamos de mais proteína do que pessoas normais. De 1,5 a 2 gramas de proteína por quilo de peso corporal é o mínimo necessário para estimular o crescimento muscular. Um atleta de 100 KGs tem que ingerir 200 gramas de proteína, pelo menos, todos os dias.
5. Suplementos são vitais?
Não. A dieta adequada é muito mais importante, só que alguns suplementos podem dar uma grande ajuda, tanto na rapidez dos ganhos como na praticidade do dia-a-dia. Para começar, se o objetivo for ganho de peso, hipercalóricos podem te abastecer de uma dose concentrada de calorias de qualidade, vindas de carboidratos complexos e proteínas. E para que se tenha um número de 5 a 6 refeições diárias, shakes de proteína ou MRPs (meal replacements), podem ajudar nessa tarefa, tornando a rotina bem mais fácil de ser mantida.Creatina e Glutamina, por exemplo, são suplementos que tem mostrado ser de grande influência no ganho de massa muscular e na recuperação entre os treinos. A médio prazo podem ajudar muito na sua dieta.
6. Devo prestar atenção no meu percentual de gordura enquanto ganho massa muscular?
Isso depende de seu atual percentual de gordura. Se estiver baixo, não há necessidade de preocupação, mas se está tentando ganhar volume, e o percentual estiver alto, é melhor prestar atenção. Mantenha a alta ingestão de proteína, e o número de calorias um pouco menor do que suas necessidades diárias, e depois que a gordura abaixar, aí o número de carboidratos deverá ser elevado lentamente.
7. Qual o nutriente mais importante?
Proteína. Frango, peru, peixe, carne vermelha. Sem essas fontes de proteína, o crescimento muscular é impossível. Mas é importante lembrar que, mesmo que a quantidade de proteína ingerida seja grande, sem o número adequado de calorias, as quantidades corretas de carboidratos e gorduras, o resultado não acontecerá.
8. Quantas vezes por semana devo treinar?
Uma equação bem simples: treino + nutrição + descanso = crescimento. Se você treina intensamente, diariamente todas as semanas, existe o risco de overtraining, e o progresso acaba. Músculos crescem mais quando são submetidos a várias rotinas de treino em períodos diferentes, que mantenham sempre o estímulo. Você pode iniciar com treinos 4 dias por semana, segunda e terça, descansa na quarta, treina quinta e sexta, descansa no fim de semana. Após sentir que o estímulo parou, mude para treinos 3 vezes por semana, e até 2 vezes apena. Treinar o mesmo músculo mais de 2 vezes por semana aumenta muito o risco de overtraining.

Retirada do site: http://www.treinopesado.com.br/

quinta-feira, abril 27, 2006

Muito Além do Cidadão Kane

(clique no título e assista ao documentário de Simon Hartog produzido em 1993 pelo canal 4 da BBC. O documentário discute o poder da rede Globo e teve sua exibição proibida no Brasil)

quarta-feira, abril 26, 2006

Trecho extraído de um discurso do Imperador Hailè Selassiè as Naçãoes Unidas

Até que a filosofia que torna uma raça superior
E outra inferior, seja finalmente permanentemente
Desacrediada e abandonada havera guerra,
Eu digo guerra.

Até que não existam mais cidadãos
De 1º e 2º classe em qualquer nação.
Até que a cor da pele de um homem
Não tenha maior significado que a cor
Dos seus olhos havera guerra.

Até que todos os direitos básicos
Sejam igualmente garantido para todos,
Sem privilégios de raça, terá guerra.

Até esse dia o sonho da paz final,
Da almejada cidadania e o papel
Da moralidade internacional,
Não sera mais que mera ilusão a ser percebida e nunca atingida,

Por enquanto havera guerra, guerra.

Até que os ignóbeis e infelizes regimes
Que prendem nossos irmãos em Angola,
Em Mozambique, África do Sul escravizada,
Não mais existam e sejam destruídos,
Haverá guerra, eu disse guerra.

Guerra no leste, guerra no oeste, guerra no norte,
Guerra no sul, guerra, guerra, rumores de guerra.

E até esse dia, o continente africano não conhecerá a paz.
Nós africanos lutaremos, nós acharemos isto necessário
E conheceremos a vitória.

O bem sobre o mal, bem sobre o mal...

terça-feira, abril 25, 2006

Bom dia - Los Hermanos

Bom dia,
Olha as flores que eu trouxe pra você, amor
São pra comemorar aquele dia
Que passei a viver do teu lado
Eu me lembro, entre nós não havia quase nada.

E agora é só você que me faz cantar
É só você que me faz cantar

Havia
Mil motivos pra eu não estar naquele show
Mas o nosso destino foi escrito sob o som de uma banda qualquer
Eu me lembro, em setembro
Conheci minha mulher...
E agora é só você que me faz cantar
E é só você que me faz cantar
E é só você que me faz cantar

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O Fotógrafo e os Cavalos - Bruno Braga

Correu para buscar sua máquina. Era a alma de artista e o espírito de fotógrafo que o chamavam. Sem falar nada, sem dar nenhuma explicação. Simples assim, levantou-se e foi em busca do momento perfeito. Éramos cinco no momento. Os outros dormiam. Seguimos nosso amigo fotógrafo, sem perguntas, sem conversa, apenas o seguimos, torcendo e ansiando pelo que nos esperava.
O que ele havia visto de tão maravilhoso e inspirador que passara despercebido por nós? Talvez fosse justamente essa nossa ignorância, essa nossa expectativa pelo desconhecido, que nos levava nessa aventura. Descemos as escadas rapidamente, o frio da serra entrando em nossos corpos, a ansiedade remoendo nossos espíritos. Ele não parava, nosso amigo fotógrafo. Nós, tampouco. Mesmo sem perceber, havíamos feito um pacto em silêncio e ninguém se atreveria de quebrá-lo. Nós, os espectadores, ele, o artista. Continuava andando, sem parecer sentir frio ou cansaço, em silêncio, preparado para a luta, armado apenas com máquina, sua alma de artista e seu espírito de fotógrafo.
Então, subitamente, parou. Surpresos, paramos todos e encaramos a fonte da inspiração tão repentina. Entreolhamos-nos, sorrindo, sem precisar dizer uma palavra, mas entendendo exatamente o que o outro estava dizendo. O motivo da nossa aventura eram três cavalos. Não eram enormes cavalos brancos desses que só se ver na televisão. Eram cavalos bonitos, mas normais, de tamanho médio e pêlos castanhos. E era essa a grande beleza do momento, sua simplicidade.
Nosso amigo fotógrafo começou, então, a se preparar para o grande momento pelo qual todos esperavam. Aquela fotografia era só o que nos importava. Não fazia mais frio, ninguém estava mais cansado. Só o que interessava era terminar nossa aventura. O sacrifício final que acabaria em menos de um segundo, mas que duraria para sempre. Quando lembro dos nossos rostos, vejo que aquilo ficou na memória de todos nós. Cinco amigos e três cavalos. Esse era o cenário do nosso espetáculo. Era chegado o grande momento. O fotógrafo e a câmera já estavam posicionados, a espera do momento perfeito. A platéia aguardava ansiosa. Os cavalos, indiferentes ao que acontecia, mas parecendo entender a importância do momento, continuavam esbanjando sua maravilhosa simplicidade.
Foi quando ouvimos um clic. Pronto. Ficamos um tempo parados, incertos se havia mesmo terminado o espetáculo, como a platéia insegura que aguarda a primeira palma. Mas a aventura acabara. Voltamos, já não mais em silêncio, mas conversando alto e rindo, orgulhosos por nos mantermos fiéis ao pacto feito antes em silêncio. Éramos cinco amigos e havia três cavalos. Nunca esqueci disso. E a foto nem ficou tão boa.

Parmênides de Eléia


"O Ser é e não pode não ser; o Não-Ser não é e não pode ser de modo algum. O que está fora do Ser não é Ser; o Não-Ser é nada; o Ser, portanto, é Um."

Segredos de um casal na cama - Silvia Curiati

Já havia um ano que, toda madrugada, ela despertava com a sensação de estar sendo observada. E sempre, invariavelmente, ele estava sentado na cama, virado em direção à mulher, olhando. Calado.
Ficava assim por uns 5 minutos, e quando ela despertava, sempre lhe dizia para deitar-se e voltar a dormir. Ele a obedecia. Na manhã seguinte não se lembrava de nada.
Dizia que ela era louca, tinha alucinações. No começo ela se assustou muito, mas como acontece com tudo na vida, foi acostumando-se. No fundo, achava bonitinho. Parecia que ele a olhava com amor, pensando coisas bonitas, com um ar apaixonado. Sentia-se querida.
Mas se ela pudesse entrar na mente do marido, no exato momento em que ele estivesse lá, parado, observando, leria coisas do tipo:

"o que foi que eu fiz pra merecer isso? o que esta mulher está fazendo na minha cama? não, de novo? a mesma de sempre, isso é um pesadelo???"

No Surprises - Radiohead

A heart that's full up like a landfill
A job that slowly kills you
Bruises that won't heal
You look so tired, unhappy
Bring down the government
They don't, they don't speak for us
I'll take a quiet life
A handshake of carbon monoxide
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
Silent
Silent
This is my final fit
My final bellyache with
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises, please
Such a pretty house and such a pretty garden
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises, please

segunda-feira, abril 24, 2006

Um Dia Produtivo - Bruno Braga

Mal chegara em casa já se sentia cansado. Só a idéia dos trabalhos que tinha que fazer e dos textos que tinha que ler já o deixava exausto. Precisava arranjar algo para ocupar seu tempo, porque, assim, adiava suas obrigações já a muito atrasadas e não ficava com peso na consciência por ter passado a tarde dormindo ou assistindo televisão.
Decidiu arrumar seu quarto. A mãe nem acreditou quando passou e viu o menino juntando os infinitos papeis e caixas sem utilidade. Já havia sido motivo de inúmeras brigas entre os dois, aquele quarto. A arrumação teria tomado sua tarde inteira, se não fosse tão trabalhosa. Por mais que tentasse trazer alguma ordem para o cômodo, parecia uma tarefa impossível. Desistiu e começou a pensar em algo mais a fazer enquanto preparava um lanche, tão merecido depois de uma tarde tão cansativa.
Lembrou da melhor amiga que agora morava fora e sempre cobrava as novidades. Escreveu uma longa carta, cheia de detalhes, três páginas completas e muito bem escritas. Pensou em cada palavra. E ainda passou a limpo, afinal era sua melhor amiga e merecia uma carta bem feita. Viu que o sol começava a se por. Estava quase conseguindo, bastavam mais algumas tarefas rápidas e terminaria aquele dia tão produtivo. Há muito não desenhava, não tinha mais tanto tempo livre. Mas sempre pensou em retomar, pois era algo que o dava prazer, e achava um crime abandonar algo tão prazeroso. Desenhou de tudo. Fez caricaturas, paisagens, e até pintou, o que sempre achou um pouco chato, mas que, hoje, foi maravilhoso. Como era bom pintar.
Anoiteceu e cansou dos desenhos. Não conseguia pensar em mais nada para fazer. Não acreditava que teria que fazer suas obrigações acadêmicas depois de um dia de tanta luta. Já se abaixava para pegar sua mochila quando sua mãe o chamou para jantar. Sorriu, afinal isso lhe dava mais tempo para pensar no que fazer agora. Jantou bem devagar, logo ele, que costumava devorar a comida. A mãe estranhou, estava agindo tão bem naquele dia.
Estava orgulhosa. Perguntou se ele não queria alugar um filme para assistirem juntos, há tanto tempo não faziam isso. E como passar tempo com a família é uma das coisas mais importantes da vida, ele alugou dois filmes. Um romance, ele, que sempre odiou romance, e uma aventura que já tinha visto. A mãe adorou os filmes. Assistiram, comeram pipoca, riram, e terminaram os filmes já tarde da noite, abraçados e bocejando. Ao sair, sua mãe agradeceu pelos filmes, e por ser um filho tão bom. Ele, então, foi dormir feliz, orgulhoso e exausto, depois de um dia tão produtivo.

O Ladrão de Galinhas - Luís Fernando Veríssimo

Pegaram o cara em flagrante roubando galinhas de um galinheiro e levaram para a delegacia.
- Que vida mansa, heim, vagabundo? Roubando galinha para ter o que comer sem precisar trabalhar. Vai para a cadeia!
- Não era para mim não. Era para vender.
- Pior. Venda de artigo roubado. Concorrência desleal com o comércio estabelecido. Sem-vergonha!
- Mas eu vendia mais caro.
- Mais caro?
- Espalhei o boato que as galinhas do galinheiro eram bichadas e as minhas galinhas não. E que as do galinheiro botavam ovos brancos enquanto as minhas botavam ovos marrons.
- Mas eram as mesmas galinhas, safado.
- Os ovos das minhas eu pintava.
- Que grande pilantra...
Mas já havia um certo respeito no tom do delegado.
- Ainda bem que tu vai preso. Se o dono do galinheiro te pega...
- Já me pegou. Fiz um acerto com ele. Me comprometi a não espalhar mais boato sobre as galinhas dele, e ele se comprometeu a aumentar os preços dos produtos dele para ficarem iguais aos meus. Convidamos outros donos de galinheiro a entrar no nosso esquema. Formamos um oligopólio. Ou, no caso, um ovigopólio.
- E o que você faz com o lucro do seu negócio?
- Especulo com dólar. Invisto alguma coisa no tráfico de drogas. Comprei alguns deputados. Dois ou três ministros. Consegui exclusividade no suprimento de galinhas e ovos para programas de alimentação do governo e superfaturo os preços.
O delegado mandou pedir um cafezinho para o preso e perguntou se a cadeira estava confortável, se ele não queria uma almofada. Depois perguntou:
- Doutor, não me leve a mal, mas com tudo isso, o senhor não está milionário?
- Trilionário. Sem contar o que eu sonego de Imposto de Renda e o que tenho depositado ilegalmente no exterior.
- E, com tudo isso, o senhor continua roubando galinhas?
- Às vezes. Sabe como é...
- Não sei não, excelência. Me explique.
- É que, em todas essas minhas atividades, eu sinto falta de uma coisa. O risco, entende? Daquela sensação de perigo, de estar fazendo uma coisa proibida, da iminência do castigo. Só roubando galinhas eu me sinto realmente um ladrão, e isso é excitante. Como agora. Fui preso, finalmente. Vou para a cadeia. É uma experiência nova.
- O que é isso, excelência? O senhor não vai ser preso não.
- Mas fui pego em flagrante pulando a cerca do galinheiro!
- Sim. Mas primário, e com esses antecedentes... !!!

A mulher de corpo leguminoso - Silvia Curiati

Foi ao Pajé para tentar resolver seu problema de corpo-tábua. O que mais a incomodava era o formato da batata de sua perna, que parecia mais uma cenoura. Na verdade, tudo estava ruim. Não tinha peito, bunda, coxa, braço, não tinha carne, era só osso.
O Pajé, com pena, considerou-a caso perdido. Nenhum de seus chás, suas ervas mágicas e suas preces fortes fariam milagre no corpo daquela moça. Sugeriu cirurgia plástica.
Silicone? Implante de gordura? Não, era tudo muito artificial. Não poderiam fazer isso, justo eles, que são mais parte da natureza que uma flor num jardim da capital.
Optaram por usar frutas, legumes, tubérculos, tudo o que fosse necessário. Para que você entenda bem: ela não iria comer os alimentos. Iria implantá-los no seu corpo.
Começou, então, pelas batatas. Uma grande em cada perna, com casca e tudo. Nas coxas, berinjelas superdotadas. Nos glúteos, inspirada no modelo de beleza das capas de revistas, colocou uma melancia, metade de cada lado. Ia ficar uma gracinha, já que não tinha nenhuma barriga. Nos seios colocou laranjas, bem redondas e grandes.
Após sair da mesa do Pajé sentiu-se renovada, muito mais bonita. Não entendia porque havia demorado tanto para decidir-se pela cirurgia. Todas fazem plástica hoje. Ela garante juventude eterna, beleza infalível, proporções irretocáveis.
O problema foi o tempo, implacável senhor da humanidade. Tira a vida e a formosura de tudo o que existe. Vence-o quem gera beleza de dentro para fora. Os demais são destruídos.
Os implantes começaram a apodrecer, como era de se esperar. Ninguém pensou em colocar conservantes para mantê-los imutáveis por mais tempo. Primeiro começam a perder o viço, murchando lentamente. Depois começam a feder. E as conseqüências na pele são visíveis a olho nu. O odor, nem fale. Era impossível passar 2 minutos perto da moça, que cheirava como um caminhão de lixo.
Ficou mais feia do que era antes. Carregada por aves de rapina durante o sono, nunca mais foi vista por ninguém na aldeia. Reza a lenda que uma tribo de canibais transformou-a em sopa, como opção um pouco mais vegetariana do cardápio do Natal

Poemas por Lucy Donegan

Eu não ligo mais
Mudei de empreitada
Fui fazer outro jogo
Já fiquei tempo demais
Nesse lero-lero
Tanta coisa Tanta coisa
Que foi quase nada
Porque faltou
Faltou demais
E eu tentei desenrolar
Dancei tanto Que meus pés doeram
Meu caminho envelhecido
E eu mudei
Porque continuei a mesma
E eu mudei
Porque foi muito
Porque faltou
E lascou demais
Ter que admitir
Que eu tinha que
Exposição Severa
Por trás das cortinas
Minha vida de Amante
Me deu Asas mas não me deu chão
E eu 'Tô' mudando O jogo
Estou jogando vários
Só pra ver
Se quem brinca agora
Sou Eu
Só pra brincar
Só pra esquecer
Encher a minha cabeça
E destruir O compartimento do teu número
E eu estou
Sou
Alguém Com um potencial
Agora
Não mais o sei
Nunca serei a sua.”
_______________x__________________

Olha, eu preciso escrever
Eu preciso dizer que estou cansada
Meu corpo, minhas andanças
Daquele ônibus Tanta gente
E eu . . . Tão só
Minha mente, que de tudo Me atrapalhei
Essas politicagens
Tanta coisa, tanta coisa
Essas minhas milhagens
Linhagens
E o tempo ... O mesmo tempo
Eu tentando driblar
Estou cansada Atrasada para um compromisso
Meu coração omisso
Você sumido
Tuas tantas extensões
Cansada
Bem – amada Mal – amada
Olha, eu preciso
Não sei quê ... Está
Atrás De quaisquer portas
De qualquer lugar
Tantos caminhos
Tantos passaportes
Tanto carimbo Na minha cara
E eu
Tão cansada.

Curta: Kill Bunny

(clique no título e assista a um curta do cartoon network)

Aquele brilho, para sempre! - Bruno Braga

Há tempos ansiava por uma viagem daquelas. Nem lembrava da última vez que havia feito uma viagem assim. Amigos, lugares novos, pessoas novas. No caminho, ainda no ônibus, ficou com uma garota. Simpática, ela. Bonita, também. Conversaram a noite inteira sobre tudo, livros, filmes, histórias do passado. Mas não era ainda o que buscava. Na verdade, nem sabia que buscava algo.
Queria curtir ter novas experiências, sair da mesmice. Continuou um tempo com a garota, mas faltava algo. Foi quando a conheceu. Ela, tímida, longe de querer chamar atenção, desajeitada de um jeito meigo e charmoso. Conversaram até o nascer do sol, mas nem viram o tempo passar. Ele, deixando claro suas intenções, ela, por sua vez, calada, ainda tímida. Mas havia algo de diferente. Um brilho no olhar, no sorriso. Estava feliz, e foi nesse brilho que ele se agarrou com todas as forças e prometeu não soltar até que fosse sua. Ela já era de alguém, dizia. Ele, no entanto, sabia que havia esperança, ela mesma havia dito. Não podia deixá-la escapar. Não dessa vez. Depois de tanto tempo vazio, finalmente sentia algo. Algo novo, algo real. E era correspondido, sabia que era.
Continuaram juntos o resto da viagem. Visitaram a cidade, foram a festas, viram o nascer do sol. Sempre juntos. Ele falando, ela menos tímida, aceitando o que ele tinha para oferecer. Ela também queria sair da mesmice. E encontrara nele algo novo, diferente. Não sabia ao certo o que fazer, afinal, já era de alguém. Não sabia o que aconteceria quando voltasse, qual história seria sua, qual caminho escolheria. Queria continuar sempre viajando, talvez, assim, não tivesse que escolher. Ele sabia de tudo isso, e entendia. Entendia porque o que sentia era real. Era o momento certo para eles e sabiam disso. Um era exatamente o que o outro precisava. Naquele mundo, naquela realidade que criaram juntos, eram felizes. E poderiam continuar assim para sempre.
Mas o tempo passou e a viagem acabou. Na volta, dormiram de mãos dadas, rostos colados no balançar do ônibus. Estavam caindo do céu, e sabiam disso. Ele, já decidido a encarar seu destino, ela, já disposta a escolher. E foram assim, calados, aceitando o fim da realidade que criaram juntos. Ela ainda prometeu que conversariam, mas ele sabia o que o esperava. Ainda tentou, numa ultima tentativa, já quase sem forças, mas foi em vão. Assim, a historia que construíram juntos tiveram que destruir sozinhos, separados pela nova realidade que os cercava. E foi assim que ele, dessa vez calado, tímido, soltou o brilho que agarrara com tanta força, e o perdeu para sempre.

Ação em Cadeia

(clique no título e perca vários minutos mortos observando como avança a bolinha ativando uma ação em cadeia)

domingo, abril 23, 2006

Reencontro - Gina Emanuela

Fazia tempo que não o via, e de novo foi bom. Ela tinha tanto medo que a distância tivesse levado algo, tremia só de pensar revê-lo e serem tomados por aquele silêncio constrangedor, aquele sorriso amarelo, aquela falta de criatividade no diálogo. Mas foi tudo medo bobo. Lá estava ele, o mesmo ele, só que careca. E ele viu a mesma ela, apesar dela está uns 10 quilos mais gorda. Ela riu porque ele pôs a camiseta que ele mesmo havia pintado, só pra ela ver e elogiar.
O silêncio, ao invés de constrangedor, foi denunciador e cheio de entendimentos. Pensavam ambos em como era bom quanto estavam juntos, mas que era-lhes impossível ser mais próximos. Algumas coisas têm que ser assim, e havia algum encanto nisso. Os sorrisos foram de um alívio contido, pois ao sorrirem recorriam-lhes os pensamentos de que a presença de um ao outro era mais agradável do que poderia ser. E todo mundo sabe, quando se pensa que é feliz, arranja um problema e um meio de deixar de ser tão. O papo propiciou-lhes, como ele gostava de dizer, prazer intelectual. Mas eles sabem que foi bem mais do que isso. No abraço de despedida quase não se largaram, mas uma hora ela se foi, pra não sei quando.

link: http://www.ginaemanuela.blog.uol.com.br/

segunda-feira, abril 10, 2006

O Mexicano Inglês - Silvia Curiati

Era o mais inglês de todos os mexicanos. Jurava ter olhos azuis e pele transparente quando se olhava no espelho. Sabia ter nascido na cidade errada, Tepotzotlan era muito vermelha para sua alma cinza. Chorava por dentro, já que o machismo de sua terra não lhe permitiria mostrar as lágrimas vindas do nada.
Londres era o lugar. Para sentir-se mais próximo, trazia no pulso o próprio Big Ben -um cebolão cujas horas poderiam ser vistas a uma distância de 6 metros. No fundo achava cool... era o conflito entre sua criação provinciana e sua natureza underground. Sabia que teria de aposentá-lo quando conseguisse mudar-se para a Inglaterra.
A melodia de Atmosphere embalava os seus dias e alimentava a sua vontade de ter sido Ian Curtis. Mesmo nas manhãs de sol quente, ele usava um sobretudo negro com cheiro forte de cigarro. Caminhava cabisbaixo, só se via a fumaça espessa rodeando seu rosto, acariciando seus cabelos escuros.
Infelizmente era pobre. Não tinha o suficiente para começar vida nova em outro lugar. Tocava violão, mas era medíocre para os padrões europeus. Não conseguia comprar novos discos, conhecer outras bandas, estudar mais música. O inglês que sabia falar era o que estava escrito nas canções, nada além. E não poderia seguir sua vida daquela maneira, disso sabia.
Tinha duas opções: uma mais glamourosa e outra, realista. Poderia enforcar-se na sala de sua casa e terminar seus 24 anos como o ídolo, ou montar uma banda e tocar ali em Tepotzotlan mesmo, até conseguir dinheiro suficiente para partir - ou não. Pensou que se morresse não estaria neste mundo nem para ver se no enterro tocariam Joy Division. Achou melhor montar a banda.
Eram 3 tocadores de salsa e de outros ritmos que desconhecia. Vivera em outro mundo todo o tempo. O violão parecia instrumento diferente nas mãos daqueles homens.
Com algum esforço conseguiu agregar uma boa dose de melancolia às notas dos mexicanos sorridentes, e batizou-lhes "De Putas" - que em espanhol significa "algo muito legal", e ao mesmo tempo tem a mesma inspiração da banda idolatrada.
Passou a amar sua fuga e aos poucos foi descobrindo a maneira latina de chorar, a única desculpa que os machistas de sangue quente têm para verter lágrimas sem pudor: tornou-se um mariachi.

"Você nasce e morre fraco, o que você vai ser entre esses dois pontos é escolha sua!"
Arnold Schwarzenegger

O Unicórnio Azul - Bruno Braga

Não sabia mais onde procurar. Passara o dia inteiro procurando seu unicórnio azul. Não podia acreditar que o havia perdido. Era tudo que tinha aquele unicórnio. Nunca tinha tido um amigo daquele. Contava tudo para ele, seus segredos, suas tristezas, suas angústias. E o unicórnio sempre o ouvia com toda a atenção do mundo. Sempre disposto a ajudar, no que fosse preciso.
Gritava por ele, desesperado. Lembrou dos bons momentos que tiveram juntos. Das longas caminhadas pelos gramados, nos fins de tarde para ver o pôr-do-sol embaixo daquela árvore onde gravaram seus nomes. Quantas risadas deram embaixo daquela árvore. Não entendia como tinha perdido seu amigo. Simplesmente havia sumido, sem deixar rastro nenhum, apenas algumas flores em cima da cama. Perguntou para as flores onde estava o seu unicórnio azul, mas elas não disseram, permaneceram mudas, fiéis ao segredo que lhes havia sido confiado. E como eram lindas, as flores. Eram de um vermelho vivo, ficando amareladas no centro. Lindas e mudas.
Sentiu-se só. Tudo o que tinha era aquele unicórnio. Era seu companheiro, sua outra metade. E o havia perdido. Seria capaz de pagar qualquer preço por alguma informação que o levasse a encontrar seu unicórnio azul. Continuava a procurar, mas quanto mais procurava, menos esperança tinha de encontrá-lo. Lembrou de quando se conheceram. Conversaram por horas. Havia um pouco de amor e um pouco de verdade naquela amizade que começava. Com o seu chifre de cor azul anil, o unicórnio pescou uma música e ofereceu a ele. Nunca esqueceria aquele momento. Era, sem dúvida, o que mais gostava em seu unicórnio, sua capacidade de compartilhar as maravilhas que encontrava. Trazia paz e alegria para sua vida e, agora, o havia perdido.
Só o que tinha na vida era seu unicórnio azul. Mesmo que tivesse dois, sabia que só iria querer aquele. Nenhum outro seria como ele. Chegou à árvore onde haviam gravado seus nomes e sentou-se. O sol se pôs. Entendeu que tudo tem seu tempo. As coisas passam, o sol se põe, e um novo dia começa. Abraçou as pernas e chorou. Havia perdido seu unicórnio azul.


Baseado na música ‘Unicórnio’, de Silvio Rodriguez

Para poder falar


"O que se pode dizer pode ser dito claramente; e aquilo de que não se pode falar tem de ficar no silêncio".
Wittgenstein

sábado, abril 08, 2006

Ela O fez até tomar banho - Gina Emanuela

Só porque ele tinha só dez anos não significava que não pudesse de apaixonar por uma moça de dezessete anos. Ela era tão linda! Tão legal! E ele estava prestes a completar onze anos, daí iam ser apenas seis anos de diferença... Isso daqui a uns vinte anos ia ser quase nada. Ele com 31, ela com 37 e linda como sempre; eles casados, felizes para sempre. Sei lá que se passava pela cabeça dele, mas que tava caidinho, ah estava!
Engana-se quem pensa que criança não ama de verdade. Ora, se até muda por causa da paixão! Ele nem gostava de tomar banho, todo dia era uma luta: o pai pedia, o irmão mais velho gritava, mas não tinha jeito, várias vezes o menino ia dormir imundo de sujo. Pois não é que quando conheceu a moça vivia limpinho?! Era só ela inclinar a cabeçinha e perguntar se ele havia se banhado que ele corria acima as escadas e voltava com um cheiro! E ela lhe dava um cheiro! E a noite estava ganha...
Não importava mesmo que ela tivesse namorado e que ele conhecesse e até simpatizasse como namorado dela. Ora, o namorado morava no mesmo prédio e foi graças a ele que a linda moça tinha ido parar por lá. O garotinho era muito agradecido ao namorado da moça por este trazer-lhe tal preciosidade. E o amor que ele a tinha não ardia em ciúmes e contentava-se com um abraço quase fraternal, quase maternal; com um sorriso; com uma demonstração de cuidado; com um mínimo de atenção feminina.

É, ele não tinha mais mãe e a irmã dele sou eu.

link: http://paradoxium.blogspot.com//

Jogo: Formula Racing

(clique no título e simplesmente corra)

sexta-feira, abril 07, 2006

As Alianças - Bruno Braga

- Como assim você não vai usar aliança?
- Ah, num sei. Nunca gostei muito dessas coisas...
- Essas coisas? Mas isso é um símbolo do nosso amor, da nossa união!
- Usar um circulo de ouro no dedo não demonstra amor por ninguém. Pense bem, querida, qual é a diferença de usar ou não uma simples aliança?
- Qual é a diferença? Mostra sua fidelidade, sua devoção à pessoa amada, é uma expressão de amor.
- Não acho.
- Quer dizer que você não me ama o suficiente para fazer esse gesto por mim? É isso?
- Não, amorzinho, é claro que eu te amo. É só que...
- Mas o que adianta se você não me prova isso? Me diga a verdade, você não quer mostrar para as outras que está preso, não é isso?
- Não é nada disso! Como é que você me acusa disso? Sabe que sempre fui fiel...
- Isso é o que você diz.
- E fica falando aí que eu não faço um gesto para demonstrar meu amor. E você, não deixaria de querer que eu usasse aliança e entenderia minha vontade para demonstrar seu amor por mim?
- Não se faça de vitima, odeio quando você faz isso.
- Se faz de vitima? Eu?
- É. Olha, se você está tendo duvidas sobre a gente, é melhor dizer logo. Não ouse ficar comigo por pena!
- Por pena? Mas, amor, eu te amo! Você sabe disso, não estou entendendo essa conversa. Eu nunca tive dúvidas sobre a gente.
- Nunca? Você ao menos já parou para pensar sobre isso ou está dizendo só pra acabar com a discussão?
- Não, é claro que eu já pensei...
- Você já pensou se tinha duvidas sobre a gente?! Eu sabia que você estava escondendo alguma coisa...
- Escondendo alguma coisa? Como assim, você quer dizer que nunca pensou sobre a gente?
- Já, claro que pensei. Mas nunca tive dúvidas, como você.
- Querida, eu não tive dúvidas, só pensei sobre a gente, como você disse.
- Mentira.
- Tá me chamando de mentiroso?
- Tô. Você não me ama mais, eu já entendi, ao menos seja homem e diga não minha frente!
- Amorzinho, olhe... Não chore, não precisa. Eu te amo e quero passar a vida com você. Não tenho duvidas sobre isso e, se uma aliança no meu dedo é o que eu preciso fazer para você acreditar em mim, então está certo. Usaremos alianças o resto de nossas vidas.
- Tá bom, amor. Eu acredito em você. Obrigada pela aliança, significa muito para mim.
- É o mínimo que eu posso fazer.
- Mas tem uma coisa. Eu não vou usar uma.
- Uma o que?
- Uma aliança.
- Como assim? Por que?
- Ah, sei lá. Nunca acreditei muito nessas coisas...

Jogo: Caça ao Coelho

(clique no título e mate os coelhos. Segure o botão esquerdo do mouse para andar e com o direito atire sem piedade.)

Tristeza Não Tem Fim - Louise Gracielle

Estava exausta naquela manhã. O dia anterior havia sido perfeito, mas aquele começara mal. Sentia como se o azar lhe jogasse tchauzinhos do outro lado da rua.
Atirou-se debaixo d'água: chuveiro. Uma tia lhe dissera, certa vez, que a cura para o mau humor era um bom banho de água fria. Esperou que as crendices de uma senhora vivida funcionassem naquele momento e idealizou a abundância límpida escorrendo pelos seus cabelos, os pensamentos ruins sendo carregados até que, nas pontas de suas madeixas, caíssem ao chão e por lá ficassem.
Imaginou-se numa cachoeira... Era tão bom sentir aquela água batendo em seu rosto, arrancando a máscara da tristeza, que pouquíssimas vezes usava. Tentava estar sempre sorridente - mesmo que interiormente. Acreditava que a felicidade não fosse sinônima de alienação, mas sim de contato pleno com o mundo, de satisfação com seu eu mais íntimo.
Mas aquela onda de azar a deixava incapaz de sorrir consigo mesma.
E subitamente percebeu que seu rosto era agora banhado por suas lágrimas. Indagando os motivos daquele pranto inesperado, descobriu que não estava plena consigo mesma, que muitas coisas não estavam em seus devidos lugares. E que a "onda de azar" fora uma desculpa fajuta para os erros que vinha cometendo - inúmeros.
Analisou as circunstâncias em que a vida se encontrava. Pelas veredas dos amigos caminhou por uns instantes... Encontrou o motivo de sua lamentação repentina. Descobriu que estava agindo errado com tudo e com todos: deixava que quarteirões representassem uma distância inacreditável entre ela e seus amigos. Deixava que as aulas, às quais não mais freqüentava, carregassem consigo as preciosidades da sua vida. Viu-se valorizando as pessoas que nunca se importaram realmente com ela, que se aproximaram na alegria e quando estava triste, a repeliram da roda como um inseto indesejável.
Lembrou-se das vezes que discutiu com alguém. Permanecia amando todos os que a haviam magoado; porém, mantinha dentro de si um quê de rancor. E assim viu que perdeu muitas boas amizades por um orgulho insensato, por uma infantilidade de não perguntar o que estava acontecendo, de não pedir perdão e tentar a reconciliação.
Quantas vezes alguém tentara dissuadi-la de uma amizade querida! Talvez não a tivessem diretamente desviado de alguém; entretanto, na doçura de inúmeros momentos com alguns companheiros, estes tomaram sua completa atenção e alguns do grupinho ficaram esquecidos... Sentiu vergonha por constatar o tamanho desdém com que tratara esses 'alguns do grupinho'. Tivera-os sempre tão próximos e fora incapaz de cultivar os relacionamentos bons!
Envolvera-se em sentimentos mais profundos, como a paixão adolescente, mas sua contradição clássica de pensamentos, seu pessimismo indesejável e seus infortúnios determinaram o afastamento de ambas as partes. O remorso a tomava, ao mesmo tempo em que tentava justificar sua falta de atitude...
(...)
Saiu do banho com os olhos inchados. Nada que uma maquiagem bem feita não pudesse disfarçar. (Disfarçar, mais uma vez, sua dor, sua insegurança e tudo o que realmente era por dentro).

Jogo: Quebra-Gelo

(clique no título e saia arrebentando blocos de gelo. Na porrada mesmo!)

quinta-feira, abril 06, 2006

Felicidade no retrocesso

Passamos pela vida atabalhoados, ansiosos, sem saber o que buscamos, ou se o sabemos, dificilmente saberíamos responder por que sem gaguejar. Em nenhum instante paramos nosso fluxo existencial num flash presente e dizemos “isso é o que eu busco na vida” – isso é tudo que busco. No melhor dos casos essa felicidade presente é uma boa dose de hormônios bem calibrados fazendo o cérebro fazer você pensar “que beleza, huh?” Do futuro esperamos coisas imbecis como a existência conspirando para erigir nossos ideais ou o cessar da vontade na realização de algum sonho imaginado como importante, que será um marco divisor de águas do agora angustiado para um longo e próspero futuro cheio de coisas legais que nos tornarão felizes e que não sabemos explicar porque isso nunca aconteceu, apesar de insistirmos na crença de que um dia, inevitavelmente, acontecerá e será bom como um dia sabemos que saberemos. Impossibilidades óbvias que geram frustração. Nós precisamos viver com alguma sensação de dignidade em nossos cérebros cheios de voltinhas especiais. Qual é o pulo do gato para burlar esse desencontro? Falsificamos a memória. Ninguém tem mais felicidade que no passado; o passado é onde imaginamos que toda a felicidade que fomos colhendo como migalhas durante nossas vidas fica armazenada, pronta para ser evocada e justificar mais alguma idiotice insípida e despropositada que futuramente será motivo de lembranças saudosas para satisfazer a cota da mentira para consigo mesmo e fazer valer uma existência aleijada per se. Na dúvida – ou sem dúvida – sempre ficamos com uma interpretação da memória, nunca com a memória crua dos fatos – nós os reinventamos, colorimos e recheamos com muitas coisas gordurosas. Fiz um teste. Quando tirei uma foto pensei – estou infeliz, estou numa situação de merda, só que sorrindo, mas vou me concentrar para me lembrar desses pensamentos ao vê-la revelada em vez de interpretá-la como sempre. Vendo a foto, lembro que pensei que estava infeliz... mas, no fundo, um fundo, qualquer fundo, estava feliz, não é? Pois é.

Igziabeher - Peter Tosh

igziabeher
let jah be praised
negusa neghast
let jah be praised
me don e-ah lamb
let jah be praised
let him be praised (3x)
he watereth the hills
from his chambers
and the earth is satisfied
so satisfied
he maketh the grass to grow for animals
jah made the herb for man (3x)
fret not thyself
because of evildoers
neither be thou envious
against the workers of inequity
for they shall soon be cut down
cut down like grass
and they shall wither like corn
let jah arise
and let all his enemies be scattered
let them that hate jah
now scat up shut up butt up and flat up
as the smoke was driven away
jah, drive them away
as the rocks melted
let them be melted jah-jah
igziabeher
let jah be praised
you don e-ah lamb
let jah be praised
negusa neghast
let jah be praised
let him be praised (4x)
ahh... lightning
earthquake
brimstone
for the fire
i said lightning
brimstone and fire
igziabeher
weakheart scat up shut up flat up and butt out
i feel it
weakheart feel it
kill them dead before them spread...

Mude o Curso do Mundo!

(clique no título e, com apenas um pulo, você poderá acabar com o aquecimento global, aumentar as horas dos dias e criar um clima mais homogêneo ao planeta)

Dica: Nerd's Friend

terça-feira, abril 04, 2006

A mão que aperta...


...é a mesma que deseja!

Lucy Donegan

Tantos pedintes, desordenados, esculhambados
Tantos aceitos
Desculpas... Por Existir
A metrópole escaneia uma face
E se engole mal
A gente se engole Mal
E anda sorrindo
E Vão subterfúgios
Aquela Novela Daquele dia Naquele Bar
Vão barreiras invisíveis
Desses Sistemas Invasores
Vêm essas Invasões Bárbaras
Dessas globalizações
São tantas vendas
São tantas moedas
E o Mercado Da Metrópole
Esse Mar Essa Vista
A metrópole tem tantas faces
Coragem
Desculpas ... Por resistir
A metrópole É a garota
Cartão-postal, Crime
Desespero. . . Pra se vestir.

-----------X---------------------

O meu corpo também tem vontades
Não é só a minha mente
A minha mente também tem vontades
Não é só o meu corpo
Você ainda não absorveu
O complexo de mim
Você entendeu?
Eu já nem sei
Mas sorrio Com malícia
E eu danço E escuto
E sinto E vejo
E música me faz quase tão completa
Quanto você poderia .

Desespero em Guernica - Tinta sobre tecido por mim

Acordando - Bruno Braga

Estava confuso. Nada parecia real e não entedia o que estava acontecendo ao seu redor. Não era dia nem noite, mas conseguia enxergar perfeitamente. Só não entendia. Tentou ligar o interruptor, mas nada aconteceu. Olhou-se no espelho e viu um estranho. Esfregou os olhos e olhou novamente. Viu outro estranho. Finalmente fiquei louco. Mas tinha que haver uma explicação lógica para tudo aquilo. Era tudo tão real e, ao mesmo tempo, surreal.
Procurou alguém em casa, mas não havia ninguém. Percebeu que sua casa também estava diferente. Quartos imensos, coloridos, contrastando com salas estreitas e sem cores. Saiu. Nas ruas, tampouco encontrou alguém. Foi quando começou a ficar aflito, sem saber direito o que fazer, ou para onde ir, afinal era tudo novo para ele. Como vim parar aqui, pensou. Lembrava de toda sua vida, sua família, seus amigos, namoradas, viagens. Mas não lembrava como tinha ido parar naquele lugar completamente estranho. Nada permanecia igual, era tudo dinâmico e mutável. As ruas, as casas, tudo mudava a cada olhar.
Percebeu, então, que algumas coisas lhe eram familiares. Tentou lembrar de onde conhecia um carro que estava estacionado ao seu lado. Mas o carro já não era mais o mesmo. Era outro, também conhecido seu. Foi quando entendeu que as coisas não estavam mudando por acaso. Elas o obedeciam, mesmo ao seu mais inconsciente desejo. Tudo que via era fruto de uma imagem que vinha da sua cabeça. Era a sua realidade. Mas como seria possível? Resolveu andar para explorar aquele seu mundo e, quem sabe, entendê-lo. Agora que sabia que tudo vinha da sua cabeça, não era mais um lugar estranho. E havia pessoas também. Conhecia a todos, mas nem todos o conheciam. Alguns paravam para cumprimentá-lo, conversavam um pouco, perguntavam sobre o que andava fazendo e despediam-se com um caloroso abraço seguido de um simpático “Apareça, viu?”. Outros passavam direto, sem nem desviar o olhar.
Mas reconhecia tudo e todos, e sabia exatamente para onde ia. Seu lugar favorito desde pequeno, aonde ia sempre que queria ficar só e pensar. Quanta vez estivera naquela ponte, sentado, com as pernas imersas na água gelada do mar, onde nada importava só aquele momento. E o tal lugar nunca esteve tão bonito. Era exatamente como lembrava, talvez até um pouco melhor. Sentou e mergulhou os pés na água gelada do mar. Era perfeito.
De repente, foi invadido por um medo incontrolável. Não sabia ao certo o que temia, mas era o seu pior pesadelo, o seu maior e mais assustador pensamento. Não conseguia respirar. O sonho virou pesadelo. Tudo que era belo ficou feio, assustador. Escureceu. Já não enxergava nada. Foi então que, ainda que sufocado, conseguiu gritar. Um grito mudo, porém o mais intenso e desesperado de sua vida.
Acordou aflito, suado, ofegante. Foi tudo um sonho. Mas parecia tão real. Sentado na cama ficou a pensar no sonho enquanto recuperava a respiração. Não podia acreditar que tinha sido apenas um sonho. Tinha sede e foi beber água. Mas não enxergava nada, pois ainda estava escuro. Quando foi acender a luz, não conseguiu. Percebeu que ainda sonhara.

No dentista - Branco Leone

Ele ilumina minha boca escancarada, avança para dentro dela com a seringa, espeta a agulha na gengiva e, cabrestando-me enquanto empurra o êmbolo, pergunta:
— Tudo bem?
De boca arreganhada e língua presa pelo seu indicador, eu só consigo mesmo gemer um a-hã. Dez segundos. Vinte segundos. A língua fica seca. Trinta segundos. Ele pergunta:
— Tudo bem?
Que diabo! Como pode estar tudo bem? E respondo:
— A-hã...
Um minuto de boca aberta — eu sei que é um minuto porque estou olhando o ponteiro dos segundos dar uma volta no relógio da parede — e lá vem ele:
— Tudo bem?
Quando ele tirar essa merda da minha boca, vai ouvir poucas e boas. Mas respondo:
— A-hã...
Um minuto e meio, e a ampola se esgota. Ele afasta a seringa, espirra água no lugar da picada e, com o queixo, indica o urinol suspenso ao meu lado para que a cuspa — qualquer dia, ainda mijo naquilo! Enquanto me livro da água ensangüentada, ouço o mantra:
— Tudo bem?
— Pergunta mais besta! — respondo entre cuspidas — Um marmanjo com uma seringa e nove dedos enfiados na minha boca, a garganta seca e um galão de anestesia estufando minha gengiva! Como pode estar tudo bem?
— Então por que você respondeu que estava?

E pensar que eles estranham porque a gente não gosta deles...

Porque nenhum céu é igual a outro...


O Rouxinol e a Rosa - Oscar Wilde

- Ela disse que dançaria comigo se eu lhe levasse rosas vermelhas – exclamou o Estudante – mas não vejo nenhuma rosa vermelha no jardim.
Por entre as folhas, do seu ninho, no carvalho, o Rouxinol o ouviu e, vendo-o ficou admirado...
- Não há nenhuma rosa vermelha no jardim! – repetiu o Estudante, com os lindos olhos cheios de lágrimas. – Ah! Como depende a felicidade de pequeninas coisas! Já li tudo quanto os sábios escreveram. A filosofia não tem segredos para mim e, contudo, a falta de uma rosa vermelha é a desgraça da minha vida.
E eis, afinal, um verdadeiro apaixonado! – disse o Rouxinol. Gorjeei-o noite após noite, sem conhecê-lo no entanto; noite após noite falei dele às estrelas, e agora o vejo... O cabelo é negro como a flor do jacinto e os lábios vermelhos como a rosa que deseja; mas o amor pôs-lhe na face a palidez do marfim e o sofrimento marcou-lhe a fronte.
- Amanhã à noite o Príncipe dá um baile, murmurou o Estudante, e a minha amada se encontrará entre os convidados. Se levar uma rosa vermelha, dançará comigo até a madrugada. Se levar-lhe uma rosa vermelha, hei de tê-la nos braços, sentir-lhe a cabeça no meu ombro e a sua mão presa a minha. Não há rosa vermelha em meu jardim... e ficarei só; ela apenas passará por mim... Passará por mim... e meu coração se despedaçará.
- Eis, na verdade, um apaixonado... – pensou o Rouxinol. – Do que eu canto, ele sofre. Aflige-o o que me alegra. Grande maravilha, na verdade, o Amar! Mais precioso que esmeraldas e mais caro que opalas finas. Pérolas e granada não podem comprá-lo, nem se oferece nos mercados. Mercadores não o vendem, nem o conferem em balanças a peso de ouro.
- Os músicos da galeria – prosseguiu o Estudante – tocarão nos seus instrumentos de corda e, ao som de harpas e violinos, minha amada dançará. Dançará tão leve, tão ágil, que seus pés mal tocarão o assoalho e os cortesãos, com suas roupas de cores vivas, reunir-se-ão em torno dela. Mas comigo não bailará, porque não tenho uma rosa vermelha para dar-lhe... – e atirando-se à relva, ocultou nas mãos o rosto e chorou.
- Por que está chorando? – perguntou um pequeno lagarto ao passar por ele, correndo, de rabinho levantado.
- É mesmo! Por que será? – Indagou uma borboleta que perseguia um raio de sol.
- Por que? – sussurrou uma linda margarida à sua vizinha.
- Chora por causa de uma rosa vermelha, - informou o Rouxinol.
- Por causa de uma rosa vermelha? – exclamaram – Que coisa ridícula! E o lagarto, que era um tanto irônico, riu à vontade.
Mas o Rouxinol compreendeu a angústia do Estudante e, silencioso, no carvalho, pôs-se a meditar sobre o mistério do Amor.
Subitamente, abriu as asas pardas e voou.
Cortou, como uma sombra, a alameda, e como uma sombra, atravessou o jardim.
Ao centro do relvado, erguia-se uma roseira. Ele a viu. Voou para ela e posou num galho.
- Dá-me uma rosa vermelha – pediu – e eu cantarei para ti a minha mais bela canção!
- Minhas rosas são brancas; tão brancas quanto a espuma do mar, mais brancas que a neve das montanhas. Procura minha irmã, a que enlaça o velho relógio-de-sol. Talvez te ceda o que desejas.
Então o Rouxinol voou para a roseira, que enlaçava o velho relógio-de-sol.
- Dá-me uma rosa vermelha – pediu – e eu te cantarei minha canção mais linda.
A roseira sacudiu-se levemente.
- Minhas rosas são amarelas como a cabeleira dourada das sereias que repousam em tronos de âmbar, e mais amarelas que o asfódelo que cobre os campos antes da chegada de quem o vai ceifar. Procura a minha irmã, a que vive sob a janela do Estudante. Talvez te possa ajudar.
O Rouxinol então, dirigiu o voo para a roseira que crescia sob a janela do Estudante.
- Dá-me uma rosa vermelha – pediu - e eu te cantarei minha canção mais linda.
A roseira sacudiu-se levemente.
- Minhas rosas são vermelhas, tão vermelhas quanto os pés das pombas, mais vermelhas que os grandes leques de coral que oscilam nos abismos profundos do oceano. Contudo, o inverno regelou-me até as veias, a geada queimou-me os botões e a tempestade quebrou-me os galhos. Não darei rosas este ano.
- Eu só quero uma rosa vermelha, repetiu o Rouxinol, - uma só rosa vermelha. Não haverá meio de obtê-la?
- Há, respondeu a Roseira, mas é meio tão terrível que não ouso revelar-te.
- Dize. Não tenho medo.
- Se queres uma rosa vermelha, explicou a roseira, hás de fazê-la de música, ao luar, tingi-la com o sangue de teu coração. Tens de cantar para mim com o peito junto a um espinho. Cantarás toda a noite para mim e o espinho deve ferir teu coração e teu sangue de vida deve infiltrar-se em minhas veias e tornar-se meu.
- A morte é um preço exagerado para uma rosa vermelha – exclamou o Rouxinol – e a Vida é preciosa... É tão bom voar, através da mata verde e contemplar o sol em seu esplendor dourado e a lua em seu carro de pérola...O aroma do espinheiro é suave, e suaves são as campânulas ocultas no vale, e as urzes tremulantes na colina. Mas o Amor é melhor que a Vida. E que vale o coração de um pássaro comparado ao coração de um homem?
Abriu as asas pardas para o voo e ergueu-se no ar. Passou pelo jardim como uma sombra e, como uma sombra, atravessou a alameda.
O Estudante estava deitado na relva, no mesmo ponto em que o deixara, com os lindos olhos inundados de lágrimas.
- Rejubila-te – gritou-lhe o Rouxinol – Rejubila-te; terás a tua rosa vermelha. Vou fazê-la de música, ao luar. O sangue de meu coração a tingirá. Em conseqüência só te peço que sejas sempre verdadeiro amante, porque o Amor é mais sábio do que a Filosofia, embora sábia; mais poderoso que o poder, embora poderosa. Tens as asas da cor da chama e da cor da chama tem o corpo. Há doçura de mel em teus braços e seu hálito lembra o incenso.
O Estudante ergueu a cabeça e escutou. Nada pode entender, porém, do que dizia o Rouxinol, pois sabia apenas o que está escrito nos livros.
Mas o Carvalho entendeu e ficou melancólico, porque amava muito o pássaro que construíra ninho em seus ramos.
- Canta-me um derradeiro canto – segredou-lhe – sentir-me-ei tão só depois da tua partida.
Então o Rouxinol cantou para o Carvalho, e sua voz fazia lembrar a água a borbulhar de uma jarra de prata.
Quando o canto finalizou, o Estudante levantou-se, tirando do bolso um caderninho de notas e um lápis.
- Tem classe, não se pode negar – disse consigo – atravessando a alameda. Mas terá sentimento? Não creio. É igual a maioria dos artistas. Só estilo, sinceridade nenhuma. Incapaz de sacrificar-se por outrem. Só mensa e cantar e bem sabemos quanto a Arte é egoísta. No entanto, é forçoso confessar, possui maravilhosas notas na voz. Que pena não terem significação alguma, nem realizarem nada realmente bom!
Foi para o quarto, deitou-se e, pensando na amada, adormeceu.
Quando a lua refulgia no céu, o Rouxinol voou para a Roseira e apoiou o peito contra o espinho. Cantou a noite inteira e o espinho mais e mais enterrou-se-lhe no peito, e o sangue de sua vida lentamente se escoou...
Primeiro descreveu o nascimento do amor no coração de um menino e uma menina; e, no mais alto galho da Roseira, uma flor desabrochou, extraordinária, pétala por pétala, acompanhando um canto e outro canto. Era pálida, a princípio, qual a névoa que esconde o rio, pálida qual os pés da manhã e as asas da alvorada. Como sombra de rosa num espelho de prata, como sombra de rosa em água de lagoa era a rosa que apareceu no mais alto galho da Roseira.
Mas a Roseira pediu ao Rouxinol que se unisse mais ao espinho. – Mais ainda, Rouxinol, - exigiu a Roseira, - senão o dia raia antes que eu acabe a rosa.
O Rouxinol então jungiu-se mais ao espinho, e cada vez mais profundo lhe saía o canto porque ele cantava o nascer da paixão na alma do homem e da mulher.
E tênue nuance rosa nacarou as pétalas, igual ao rubor que invade a face do noivo quando beija a noiva nos lábios.
Mas o espinho não lhe alcançava ainda o coração e o coração da flor continuava branco – pois somente o coração de um Rouxinol pode avermelhar o coração de rosa.
- Mais ainda, Rouxinol, - clamou a Roseira – raiar o dia antes que eu finalize a rosa.
E o Rouxinol, desesperado, calcou-se mais forte no espinho, e o espinho lhe feriu o coração, e uma punhalada de dor o traspassou.
Amarga, amarga lhe foi a angústia e cada vez mais fremente foi o canto, porque ele cantava o amor que a morte aperfeiçoa, o amor que não morre nem no túmulo.
E a rosa maravilhosa tornou-se purpurina como a rosa do céu oriental. Suas pétalas ficaram rubras e, vermelho como um rubi, seu coração.
Mas a voz do Rouxinol se foi enfraquecendo, as pequeninas asas começaram a estremecer e uma névoa cobriu-lhe o olhar, o canto tornou-se débil e ele sentiu qualquer coisa apertar-lhe a garganta.
Então, arrancou do peito o derradeiro grito musical.
Ouviu-o a lua branca, esqueceu-se da Aurora e permaneceu no céu.
A rosa vermelha o ouviu, e trêmula de emoção, abriu-se à aragem fria da manhã. Transportou-o o Eco, à sua caverna purpurina, nos montes, despertando os pastores de seus sonhos. E ele levou-os através dos caniços dos rios e eles transmitiram sua mensagem ao mar.
- Olha! Olha! Exclamou a Roseira. – A rosa está pronta, agora.
Ao meio dia o Estudante abriu a janela e olhou.
- Que sorte! – disse – Uma rosa vermelha! Nunca vi rosa igual em toda a minha vida. É tão linda que tem certamente um nome complicado em latim. E curvou-se para colhê-la.
Depois, pondo o chapéu, correu à casa do professor.
- Disseste que dançarias comigo se eu te trouxesse uma rosa vermelha, - lembrou-se o Estudante. – Aqui tens a rosa mais vermelha de todo o mundo. Hás de usá-la, hoje a noite, sobre ao coração, e quando dançarmos juntos ela te dirá quanto te amo.
Mas a moça franziu a testa.
- Talvez não combine bem com o meu vestido, disse. Ademais, o sobrinho do Camareiro mandou-me jóias verdadeiras, e jóias, todos sabem, custam muito mais do que flores...
- És muito ingrata! – exclamou o Estudante, zangado. E atirou a rosa a sarjeta, onde a roda de um carro a esmagou.
- Sou ingrata? E o senhor não passa de um grosseirão. E, afinal de contas, quem és? Um simples estudante... não acredito que tenhas fivelas de prata, nos sapatos, como as tem o sobrinho do camareiro... – e a moça levantou-se e entrou em casa.
- Que coisa imbecil, o Amor! – Resmungou o estudante, afastando-se. – Nem vale a utilidade da Lógica, porque não prova nada, está sempre prometendo o que não cumpre e fazendo acreditar em mentiras. Nada tem de prático e como neste século o que vale é a prática, volto à Filosofia e vou estudar metafísica.
Retornou ao quarto, tirou da estante um livro empoeirado e pôs-se a ler...

O Jardim e a Borboleta

domingo, abril 02, 2006

As Fotos, os Presentes e as Cartas - Bruno Braga

As fotos, os presentes, as cartas, tudo o lembrava daquele tempo que não voltaria mais. Não sabia ao certo se era mais feliz então, mas sabia que sentia saudades. As surpresas, as expectativas, o simples fato de ter mais um dia ao lado dela era suficiente. Então percebeu que chorava. Não chorava desesperadamente, gritando e esperneando, mas chorava. Não sabia ao certo o motivo que das lágrimas, afinal já fazia um bom tempo que não à via e já deveria estar acostumado com sua ausência.
Lembrou das brigas, das discussões, enfim, buscou todas as lembranças ruins daquela época de sua vida para tentar evitar as lágrimas. Mas acabava por lembrar que, depois de cada briga, cada discussão, vinha à reconciliação. E como era bom quando faziam as pazes, aquele sentimento de que tudo voltou ao seu lugar, abraçados, jurando nunca mais brigar por uma besteira daquelas outra vez. E continuou a chorar.
Eram felizes juntos. Completavam-se. Ele, calmo, paciente, sempre de bom humor, sempre muito atencioso. Ela, mais nervosa, impulsiva, nem sempre paciente ou de bom humor. Mas se amavam, e só era só isso que importava. Não lembrava ao certo o motivo da separação, tentou entender porque não estavam mais juntos. Mas não importava. Naquele momento só importavam as lágrimas que insistiam em descer de seus olhos. Queria entendê-las. Queria saber por que resolveram aparecer, do nada, depois de tanto tempo escondidas.
Lembrou do seu cheiro. Como adorava afundar o rosto em seus cabelos e sentir aquele cheiro maravilhoso e inconfundível. Lembrou da sua voz, das vezes que cantou para ele músicas que ele sempre detestou e que, de repente, se tornaram suas favoritas. Que bela voz ela tinha. Lembrou de uma vez no começo do namoro, quando ainda eram estranhos um para o outro, que a fez rir por dez minutos. Como se sentiu bem. Sentiu que a havia conquistado, afinal ela não era de fácil de rir daquele jeito. E foi justamente depois desses dez minutos, quando se calaram abraçados em silêncio, que percebeu que estava apaixonado. E sabia que era recíproco. Sabia por causa daqueles dez minutos. E nunca mais duvidou por um minuto sequer, que a amava. E que sempre a amaria. Sempre.
Voltou a olhar para as fotos, para os presentes, para as cartas. Chorava menos agora. Porque sabia o motivo das lágrimas. Havia finalmente entendido porque chorava. Sentia sua falta. E ainda a amava. Ela, com seu cheiro inconfundível, sua bela voz, rindo sem parar por dez minutos.

A arte de Ron Mueck

Australiano, nascido em Melbourne em 1958, Ron Mueck cresceu vendo os pais construírem brinquedos. Apreendeu! Fazia os seus.
Da infância à adolescência desenvolveu habilidade manual e criativa. Fazia títere e se tornou titiriteiro. Acabou na televisão participando de programas infantis. Dos títeres passou a criar bonecos em tamanhos vários para publicidade. Além dos bonecos sempre que havia necessidade de se ter uma réplica de um objeto em escala menor ou maior, Mueck era requisitado.
Os que o procuravam sabiam que as réplicas criadas por ele eram perfeitas.
Suas figuras não deviam nada aos hiper-realistas norte-americanos. Estavam à altura de Duane Hanson e de John de Andrea.
Embora soubesse que eram obras de arte, em nenhum momento as considerou como tal. Tão pouco assumiu a postura de artista. Tinha tudo para fazê-lo. Não fez.
Dos títeres, dos bonecos, das réplicas, passou aos efeitos especiais. Foi de vento em popa. Chegou aos Estados Unidos. Lá, durante seis meses colaborou com efeitos especiais no Muppet Show e em Sesame Street. antes de seguir para Londres em 84.
Em Londres, Dreamchild de 1985 e Labyrinth, 1986, com David Bowie, também contaram com a sua participação. Mas, não foi com esse trabalho que Ron Mueck se tornou famoso. Isso só iria acontecer dez anos depois.
Após Labyrinth Mueck criou em Londres uma pequena empresa especializada em objetos e efeitos especiais para atender às solicitações de agências publicitárias. Nas horas vagas, sempre que podia amassava um pouco de argila e esculpia.
Em 1996, sua sogra, a artista anglo- portuguesa Paula Rego, radicada em Londres desde os anos 50, pediu-lhe que esculpisse para ela um Pinnochio. Serviria de modelo para uma pintura das que apresentaria na Hayward Gallery, na exposição denominada Spellbound, Fascinado.
Foi Pinocchio quem abriu o caminho da fama e da fortuna para Mueck.
Charles Saatchi, o super poderoso empresário, publicitário e colecionador, ao ver Pinocchio no ateliê de Paula Rego encomendou quatro outras esculturas para a exposição Sensation: Young British Artist from the Saatchi Collection a ser apresentada na Royal Academy of Arts em Londres em dezembro de 1997.
Nessa exposição Mueck chamou a atenção da crítica e do público com a escultura Dead Dad, Papai Morto. Em escala reduzida, dois terços do tamanho natural, apresentou o corpo nu do pai.
Dead Dad foi esculpida de memória em fibra de vidro. Hiper-realista a escultura é de verossimilhança assustadora. A cor, a textura, as imperfeições da pele, as rugas, detalhes como as unhas, as sobrancelhas, os cabelos, fazem de Dead Dad um marco na história da escultura moderna e contemporânea.
A imagem reduzida do corpo de um adulto, com todas as marcas da idade, morto, provoca no mínimo sentimentos e emoções conflitantes. A redução altera todas as referências conhecidas. A ampliação também.
Mueck, ao contrário dos gregos e romanos, foge dos padrões estéticos por eles criados. Não respeita e ignora as proporções que tanto uns como outros cultivavam. As sete cabeças e meia, o padrão ideal, para ele não significam nada. Reduzir, ampliar, são os verbos que conjuga ao esculpir.
A partir de Sensation em Londres em 97 e da polêmica apresentação em New York no Brookyn Museum em outubro de 1999, ameaçada de fechamento pelo prefeito Giuliano, politizando a gritaria que grupos religiosos faziam contra uma pintura de uma madona africana, The Holy Virgin Mary, A Santa Virgem Maria. de Chris Ofili, Mueck projetou-se no mundo da arte.
Mas não foi através de gritos, protestos e ameaças. Nem de escândalos promocionais. Ou interesses políticos.
Suas esculturas hiper-realistas em fibra de vidro, silicone, rezina acrílica, poliéster, onde quer que fossem expostas chamavam e chamam a atenção pelo realismo, pela verossimilhança e pelas dimensões. Enormes!!! Ou de reduzidas proporções.
Na Bienal de Veneza de 2001 Mueck foi o grande destaque. Sua escultura, Crouching Boy, Menino Agachado, exposta no Arsenale, no Aperto, espaço reservado aos jovens artistas, capitalizou todas as atenções.
Os cinco metros de altura do menino agachado sob o telhado do Arsenale , entre as coluna, criavam uma estranha sensação de distância e ao mesmo tempo de intimidade total.
A capacidade de Mueck de transformar as mais simples ações do dia-a-dia em instigantes obras de arte nos fala de uma nova postura com relação ao ver e ao fazer arte. A utilização de materiais mais dúcteis e leves faz parte dessa visão em que a escala é fundamenta, domina.
Dez anos na vida de uma artista é pouco. Na de Mueck não. Suas esculturas estão na National Gallery e Na Tate Gallery de Londres, no Hirshhorn de Washington, no Modern Art Museum de Fort Worth, no Modern Art de San Francisco, na National Gallery of Canadá em Ottawa, na National Gallery of Austrália em Canberra.
No museu australiano Pregnant womam, Grávida, de 2002, escultura de 2 metros e meio de altura, em fibra de vidro e silicone é, sem trocadilho infame, o ponto alto do acervo em exibição.
No norte-americano, no Hirshhorn , Big Man, Homem Grande de 2000, com seus 2 metros e quarenta e um de altura, nu, sentado no chão, encostado na parede, no canto da sala, perdido em si mesmo, isolado de tudo e de todos, é um ponto permanente de atração.
Associá-lo ao Pensador de Rodin, não é difícil. Ambas esculturas diametralmente opostas possuem algo em comum: O homem ensimesmado. Abstraído.
No inglês, na Tate Gallery, Ghost, Fantasma, de 1997, retrata uma adolescente altíssima, de 2 metros e dez em um maiô preto. A expressão da jovem demonstra que é difícil conviver com tal corpo. Seus longos braços e pernas são excessivos. Incômodos. Fora de proporção. Essa escultura é do ano em que Ron Mueck decidiu ser escultor. De lá para cá jamais deixou de sê-lo.