terça-feira, novembro 29, 2005

Amor para sempre? Nem sempre - Sílvia Curiati

Você sabe o quanto vale para alguém de acordo com a atenção ou o desprezo que este alguém tem por seus sentimentos. O que faz uma pessoa amar e desamar sem ter sequer provado do tal amor? Parece insano, mas existe. Eu diria que é fácil. É só transformar o primeiro amor em mentira, em brincadeira de criança. Daí o resto vira conseqüência natural e previsível. Mas não. Diz-se que era verdade, que não se brinca com este tipo de coisa. Foi muito denso, profundo e ao mesmo tempo muito volátil, pairando no céu, tocando estrelas, velejando com o vento, sonhando acordado, dormindo de manhã para passar a noite amando. De repente o que era tudo virou nada. O que era gostoso de falar, transformou-se em proibido, defeito que deve ser evitado a qualquer preço.Te quis, mas não te quero. Não posso te ver, não devo te ouvir, não quero saber da sua vida, esta que um dia me interessou. Te dei minha mão, mas a tomo de volta. Fui bonito ao teu lado, mas já sei quem sou e de você não preciso mais nada. Mesmo que não amasse a quem amo, não estaríamos juntos. Entende? E por que raios esta possibilidade foi cogitada em voz alta? Como é isso de adorar alguém, ter tanto carinho, e de repente fechar os olhos para que não encontrem os outros olhos?Fazia frio na cama, naquela última noite dos olhos fechados em pleno verão. O mesmo frio que fez nas outras vezes, apressadas. Pronto, tenho que ir embora que já está tarde. Havia interesse sim, muito. Unilateral. Ela se aproximava e ele, esquivando-se, veio dizer mais tarde que eles estavam distantes apesar de dividirem o mesmo lado da cama. Ela estava perto, ele não queria. Cada palavra que ele dizia acariciava sua pele nua, sem que nenhuma delas tivesse a intenção de tocá-la outra vez, não por ele. Ela o amou com todo o seu coração, e desde o dia em que descobriu que aquilo estava acontecendo lhe pediu por favor, não brinque com meus sentimentos. Você confia em mim? E ela segurou a sua mão, confiou cegamente com todo o seu corpo em alguém que pensava conhecer. Mas foi o desconhecido que a deixou. O desconhecido com suas lógicas inexplicáveis, com suas explicações ilógicas, sem dizer coisas normais e boas que seriam não gosto de você, não te acho interessante, não tenho vontade de te abraçar, você é pouco, não serve. Ao contrário, disse coisas ruins, ferinas, ainda sem justificar. Ele soube porque um dia a quis, e não pôde esclarecer mais nada que veio depois. Se ela continuava a mesma, o que haveria mudado? Saiu e apagou a luz. Tenho medo do escuro, ela lhe disse uma vez, ao que ele lhe pergunta até comigo? Não, claro que não, sorriu. Mas agora ela estava sozinha. No breu de um sonho que eles criaram a quatro mãos e ela só teria duas para desmontar. Demora mais, é muito dolorido, porque cada pedaço que ela arranca conta uma boa história, daquelas que fazem adormecer as crianças. E ela precisa deste sono, precisa ser embalada em um conto-de-fadas. Histórias reais são boas, mas não têm príncipe encantado falando no ouvido, cantando canções de ninar. Só que ele se foi para jamais voltar, assim ela entendeu. Ela quis acreditar que estariam juntos um dia, quem sabe, mas já não crê em nada. Em ninguém. No fundo acha que ele esqueceu de devolver seu coração quando se foi. Levou consigo a capacidade que ela tinha de amar outro príncipe menos encantado de um reino mais próximo, algum que já a ame. Está procurando tudo o que perdeu, e como é difícil encontrar!Na verdade, ela anda buscando a Deus naquele sonho, naquele quarto, naquele amor. Mas ainda está muito escuro.

2 comentários:

Anônimo disse...

Doze, sei não... textos cada vez mais bem selecionados. Esse está maravilhoso.
Vamos fazer a festa d aniversario do Parerga, cada vez melhor!
Abraço

Thiago Braga disse...

Doze, 3 de Dezembro, aniversário do Parerga, valeu aí por me acompanhar... Abraço