sexta-feira, março 17, 2006

Alice no País das Maravilhas (1951) - Igor Capelatto

“Siga o Coelho Branco” - esta ordem expressa em muitas obras, como por exemplo em Matrix, é uma metáfora que nos faz astutos, instigados a correr para chegarmos logo e em qualquer buraco que seja. E Alice quer isto, ir, o quanto antes, para um mundo imaginário, único, o seu mundo, e para isso, ela não se importa em cair no buraco que for preciso.

Alice é uma menina comum


Alice não tem gênero, não revela uma personalidade, não apresenta caráter definido. Apenas a inocência. Ela não protagoniza nada além de um sonho que ela mesma vive e que talvez, não seja de fato um sonho. Apesar dela estar presente em todas as cenas, e por ela seguirmos trajeto pelo País das Maravilhas, ela não é uma personagem principal, e sim, uma coadjuvante de uma trama sem personagem central.

Esta é Alice. Assim somos nós. Quantas vezes não vemos o mundo desabar e nos guiar por estradas as quais nunca pensamos em seguir?


- Podia-me dizer, por favor, qual é o caminho para sair daqui? - perguntou Alice.

- Isso depende muito do lugar para onde você quer ir. - disse o Gato.

- Não me importa muito onde... - disse Alice.

- Nesse caso, não importa por onde você vá. - disse o Gato.

Quais são as verdadeiras maravilhas senão a fantasia de nossas mentes se tornando realidade?

Deixamos de ser protagonistas de nossa própria história, pois é nossa história que acaba se tornando protagonista de nossa vida. Estamos em um mundo de realidades e fantasias que se mesclam constantemente. Será que não estamos sonhando quando pensamos ter acordado? Lewis Caroll, autor de Alice no País das Maravilhas, tentou responder esta pergunta inquietante.
L.C., diferente de muitos autores, não escreveu uma estória concisa, com uma trama linear. Ele se apropriou de elementos figurativos, subjetivos e muitas vezes subliminares para recontar uma espécie de delírio.

Cada elemento escolhido por L.C. nos revela desejos, segredos e turbulências de nossas próprias mentes. Por exemplo, no nosso dia-a-dia, estamos constantemente correndo contra o tempo enquanto que numa analise mais profunda da realidade, o tempo não existe (como diz um certo cientista, o tempo é relativo).

Para Walt Disney esta era uma história perfeita. Tudo se encaixava corretamente e era tudo o que ele sempre havia fantasiado. O senhor Disney compreendeu perfeitamente cada elemento desenvolvido por L.C. e criou um visual com a medida ideal para a trama. Alice tem o tradicional traço Disney, toda limpinha, redondinha, uma espécie de bonequinha de porcelana. Não que o Chapeleiro, por exemplo, também não esteja no estilo, mas cada elemento da trama tem um toque especial que se revela particular.

Para se ter uma idéia, há uma lagarta fumando narguilé.

Uma das coisas que mais me chamou a atenção é que aparentemente, tudo indica que o clássico Alice no País das Maravilhas é um desenho animado para todas as gerações, mas exclusivamente para crianças e que na verdade, não o é. A estória manteve, nas mãos de Disney, todo o surrealismo psico-poético de Lewis Caroll, figuras muitas vezes, ou na sua maioria, incompreendidas pelas crianças, e que mesmo os adultos precisam parar para refletir sobre.

Outro momento interessante é a brincadeira de Disney com a cena do relógio pirado. Seria uma magia muito boa se o tempo parasse quando desejamos, seria um tempo de cores vivas e alegres. Todo o encanto e magia se concretizariam. Porém o mundo de Alice é todo invertido. Então o momento em que a Lebre quebra o relógio do Coelho é uma cena construída em preto e branco, sem as cores vivas presentes ao longo do desenho. E o tempo pára.

Tudo que Alice queria era um mundo diferente, invertido.

Nenhum comentário: