quarta-feira, março 08, 2006

A Aliança Perdida - Silvia Curiati

No meio das moedas de 5 e 10 centavos ele encontrou uma furada. Tratava-se de um anel, claro. Uma aliança.

Coube perfeitamente no seu dedo anular da mão esquerda. Há tempos ele não colocava nada em seu corpo, para não chamar atenção. No submundo há determinadas hierarquias também, e queria evitar ser roubado. Nem pensou em verificar se havia algum nome gravado na jóia. Não conhecia ninguém por nomes, mesmo. Os que possivelmente conhecera tornaram-se sombra em seu passado obscuro, depois que descobriu sofrer de amnésia.

Foi despertado durante o sono por um homem emocionado que falava muito, gesticulava todo o tempo, ora dirigindo-se a ele, ora à mulher que o acompanhava. Não soube como foi parar no carro do casal, só percebeu que não levaram junto o saco de juta com seus poucos pertences. Notou que a aliança estava nas mãos da mulher, que a examinava minuciosamente.

Chegaram a uma bela casa. Ele foi levado a uma suíte. O homem o deixou por uns minutos, voltando com roupas limpas e fotos antigas. Tomou um banho como há muito não fazia. Colocou as roupas limpas sem arriscar uma pergunta. Ficaram grandes e largas. O rapaz sentou-se e fez menção para que se aproximasse, comentando que ele parecia ter perdido peso.

No álbum de fotografias, havia um senhor. Mais jovem. Bonito, saudável. O rapaz estava ao seu lado, e vendo-os naquela posição, percebeu a semelhança que tinham um com o outro. Havia uma mulher de cabelos claros, também. Eram uma família.

Naquela noite, o rapaz acreditou encontrar seu pai dormindo em jornais e caixas de papelão. O reconhecera mais por necessidade e instinto que por semelhança. Foram 6 anos de busca sem sucesso. A aliança confirmava, com o nome de sua mãe gravado. Explicou-lhe toda a história.

Ele não acreditava pertencer àquela gente. Não reconhecia ninguém, não sentia nada. Nem a aliança era sua, não passava de uma esmola. Mas tinha amnésia, era fato. Talvez tudo fosse real, menos sua consciência. Soube que a senhora estava gravemente doente. Teria poucos meses de vida. Decidiu ficar, pelo sorriso que viu em seus lábios ao entrar em seu quarto.

Passaram-se 3 semanas, e ela faleceu. Ele não sabia viver aquela vida, não achava que fosse sua. Na mesma noite partiu, deixando a aliança e as roupas limpas sobre a mesma cama. Nunca mais souberam seu paradeiro.

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