quarta-feira, janeiro 04, 2006

O Homem de Gelo - por Silvia Curiati

Mãos frias, coração quente.
Este era Ice, desde pequeno. Sua mãe sofreu durante a gravidez. Tinha calafrios que ninguém entendia, nem todas as mantas e edredons do mundo conseguiam amenizar. No dia em que nasceu, o quarto do hospital transformou-se em um iglu, e nem médicos nem enfermeiras conseguiam segurá-lo por muito tempo ou queimariam suas mãos, tamanho era o frio que aquele menino transmitia.
Apesar de tudo nasceu bem. Seu coração era mais forte e maior que o normal, o que o mantinha devidamente aquecido. Quase podíamos ver a bola de fogo, através da pele semi-transparente de seu peito.
Por uma obra do acaso nascera nos anos 80s, o que desviava um pouco a atenção das pessoas já que outros tipos estranhos, muito mais estranhos, viviam naquela época. Podia exercitar suas habilidades quase sempre - era sua distração, já que não conseguiu manter-se em uma escola (as professoras e alunos reclamavam do frio que provocava, de ficarem resfriados e tal).
Um de seus dotes mais simples, e imediatamente descoberto pela cozinheira da casa, era o poder que Ice tinha de congelar e descongelar alimentos e de fabricar cubos de gelo com sua lágrima. Portanto a cozinha era um de seus cômodos preferidos na casa: sentia-se útil.
Descobriu que ao pousar sua mão sobre o hematoma de alguém, o fazia desaparecer em menos de um minuto. O mesmo poder de cura aplicava-se a cólicas: tocava seu coração por dois minutos e em seguida colocava a mesma mão sobre o ventre da pessoa. Era fato, as dores sumiam.
Tinha uma aparência esquisita, azulada, meio transparente. Mas seu enorme coração fervia e por isso Ice apegava-se muito fácil a todos. Considerava qualquer um seu amigo. Sempre cabia alguém novo em seu coração, a quem Ice daria toda a atenção do mundo durante o tempo que fosse preciso.
Sofreu muitas decepções, por sua ingenuidade. Percebeu que o mundo era mais como sua carcaça. Viu que sem um trabalho não conseguiria sustentar-se e ao mesmo tempo sabia que não era bem quisto na maioria dos lugares públicos.
Numa tarde de ócio sentou-se em frente à TV, passava X-Men. Encantado com o que via, Ice descobriu ser um mutante. Escreveu uma longa carta a seus pais, arrumou as malas e partiu em busca de seus semelhantes.
Pagou, mais uma vez, o preço de sua falta de experiência com a vida ao descobrir que os X-Men não existem fora das telas, e acabou exilando-se no topo do Himalaia. Costuma ir, entre maio e agosto, de férias a São Paulo, Brasil, onde visivelmente contribui com a oscilação de temperatura. Ouvi dizer que derreteu-se todo por uma brasileira, e que logo logo corre o risco de tornar-se um homem normal, se o seu grande coração de fogo amornar um pouquinho.

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