Não era por pura vaidade que se olhava tanto no espelho. Claro, poderíamos descrever como vaidade a sua busca pelo sorriso adequado. Ensaiava suas expressões mais que qualquer artista de teatro. Seu medo era fazer cara feia quando conhecesse o homem de sua vida. Desenvolveu essa cisma quando começou a reparar que as pessoas nem sempre reagem às situações com a expressão correta. Normalmente fazem uma cara esquisita, meio torta, dão um sorrisinho sem graça que não demonstra nada além do susto que levaram no momento.Ela queria ser perfeita. Queria que seus olhos brilhassem, seus lábios se abrissem na medida certa, seu nariz não parecesse enrugado e que seu corpo não emitisse nenhum ruído estranho. Queria ouvir anjos tocando harpa, no tal momento esperado. Talvez uma borboleta ou duas resolvessem cruzar o caminho, brincando. Ficaria bonita, a cena. Meio kitsch, mas o amor é brega mesmo.Um perfume seria oportuno. Um cheiro suavemente doce, nada enjoativo, deveria passar de leve. Podia estar um pouco frio, mas a presença do sol era essencial. E flores, claro... como ia esquecer-se das flores. Tulipas eram suas favoritas, mas no meio da capital seria complicadíssimo achar um jardim de tulipas. Deveria contentar-se com qualquer uma, mas definitivamente o jardim teria que estar lá.Por isso ensaiava o sorriso. Todos os dias, incansável. Parava em frente ao espelho e sorria. Estava, então, no espelho de um elevador. Fazia os sorrisos tipo 1, 2, o 3, que era seu favorito. Mudava o ângulo de visão, porque afinal de contas não sabia por onde ele chegaria. Poderia estar subindo uma escada, saindo de um carro, sentado ao seu lado numa sala de cinema, descendo uma rua, ou até mesmo... entrando no elevador.Abre a porta, o homem de sua vida. Ela estava de costas e sentiu a sua presença. Virou com o sorriso número três congelado, a cabeça inclinada para cima porque o imaginava descendo a tal rua no ponto em que tudo aconteceu. Nada de flores. Nada de perfume, música, borboletas. Nada do essencial sol. Nada além de um caixote marrom com espelhos em volta.Ele a cumprimenta com um "bom dia" e ela não consegue responder, com o pescoço torcido, o rosto para cima, os olhos vidrados e a boca escancarada. Ele ri curioso, e saindo do elevador, comenta que ela tinha uma caquinha na narina esquerda. Não usou o termo "caquinha", foi um pouco mais discreto. Então completou que ainda assim ela estava muito elegante.E foi neste cenário perfeito que ela conheceu o homem da sua vida.
domingo, janeiro 22, 2006
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