quarta-feira, novembro 01, 2006

Reflexões de um motorista - Silvia Curiati

Eu caminhava a passos firmes em direção ao estacionamento. Já tinha andando uma quadra e meia, ainda faltava a segunda metade, cruzar uma avenida de duas mãos e seguir por mais um quarteirão.

Não era tarde, umas oito, oito e meia da noite. Claro, esta informação depende de um referencial. Levando-se em conta que eu deveria ter deixado o hotel às cinco, no máximo com vinte minutos de atraso, era bastante tarde, sim.

Meus olhos ainda estavam embaçados, um pouco pelo astigmatismo incurável e avesso aos óculos de grau, e muito pelas emoções que insistiam em brotar, descontroladas, no estado líquido.

Assim mesmo, sei bem o que vi: ele vinha de costas. Caminhava em marcha-ré, na minha direção. Veloz, decidido. Só não juro que havia um par de olhos vermelhos em sua nuca porque posso estar cometendo um grande engano - o semáforo da avenida obrigava os carros a parar, e de novo, as emoções...

O fato é que ele veio. E as luzinhas vermelhas (existentes ou não) me confirmavam que vinha de costas. Esbarrou em mim intencionalmente e com força, dizendo, bastante incomodado com o fato de eu estar no meio do seu caminho, que eu deveria pensar em continuar no sentido oposto, já que a vida segue em frente, nem de lado, nem de costas.

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