quinta-feira, outubro 13, 2005

A verdade sobre as armas: Os danos da proibição

O bom senso, sob o fogo cerrado da proposta de proibição do comércio legal dearmas, pode ser mais uma das vítimas da ingenuidade ou violência branca dademagogia.O que se pretende com a proibição? Reduzir a criminalidade é a resposta, tãoimediata quanto impensada, que nos vem à cabeça. Mas é uma resposta equivocada.A proibição do comércio legal de armas não fará recuar nem um milímetro aousadia do crime (organizado), não baixará a taxa de delinqüência das ruas nemmesmo trará o conforto de diminuir a sensação de insegurança que, hoje, atingeem graus variados a sociedade brasileira.A proibição do comércio legal de armas, como o simples aumento de penas, amudança do fardamento da polícia, tantas outras medidas (anunciadas ou jáimplementadas), tem sobre a criminalidade o mesmo efeito de um arco-íris no céu:uma ilusão bonita aos nossos olhos.No caso da proibição do comércio de armas, a falsa sensação produzirá, noentanto, um efeito danoso: retirará do Estado a possibilidade de controle (aindaque frágil, como agora) e dificultará ainda mais a investigação de crimespraticados com esse recurso.Proibida a comercialização, o Estado não terá mais instrumentos para ocontrole da circulação de armas. Como a sensação de insegurança persistirá,porque as verdadeiras causas da criminalidade (corrupção e impunidade) não sãoresolvidas em razão das deficiências do Estado, o mercado inteiro de armas defogo irá para a clandestinidade.As provas desse argumento são muitas. Uma delas está no documento"Fiscalização de Armas de Fogo e Produtos Correlatos", publicado pela imprensa,elaborado pelo coronel de infantaria Diógenes Dantas Filho, que, em conjunto como Ministério Público Militar Federal, articulou uma ação policial militar paraapreensão de armas clandestinas no Rio de Janeiro. O trabalho mapeia as rotasutilizadas pelo tráfico de armas e confirma a existência, em circulação, noBrasil, de 20 milhões de armamentos sem registro, em contraposição a 2 milhõesde armas registradas.É uma absurda ingenuidade de uns (e razões suspeitas de outros) imaginar que,diante da proibição do comércio legal, ninguém mais comprará ou deixará deportar armas. O mercado não vai estancar simplesmente porque o Estado proibiu acomercialização. Historicamente não tem sido assim. Quem não se lembra da LeiSeca, nos EUA, ou da reserva de mercado de informática, no Brasil? Nos doiscasos, e em muitos outros que a experiência de proibições comerciais mundo aforaconstruiu, cresceu o mercado clandestino e o contrabando. Esse é o terrenofértil para aumentar a corrupção.A medida certa está no controle da fabricação e do porte de armas de fogo, enão na proibição da comercialização. Nesse ponto, é bom retirar do debate aidéia equivocada de que os que são contra a mera proibição estão no pólo opostoda argumentação, propondo "às armas, cidadãos". Não é assim. Acredito naeficiência da regulamentação e no controle rigoroso da fabricação, do porte e daimportação de armas. Acredito na responsabilização direta e penal de todo aqueleque, mesmo não portando armas, estimule o porte ilegal. Venho defendendopublicamente esses pontos de vista desde o começo dos anos 90. O caminho do controle foi tomado em fevereiro de 1997, com a edição da lei9.437, que estabeleceu condições para o registro e o porte de armas de fogo e,mais relevante, configurou como crime possuir, deter, portar, fabricar,adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito,transportar, ceder (mesmo que gratuitamente), emprestar, remeter, empregar,manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização eem desacordo com determinação legal ou regulamentar.Até 1997, o porte ilegal de armas era uma simples contravenção penal. A partirde então, com a lei 9.437, passou a ser crime, com pena de prisão. Recentemente,o Senado melhorou ainda mais a lei, aprovando um projeto que, entre outrasmedidas, torna o porte ilegal de armas um crime inafiançável. A proposta doSenado será submetida à Câmara, onde terá o meu apoio.Apesar de não produzir resultados efetivos para o esforço de redução dacriminalidade, que, comprovadamente, tem causas mais graves, a proposta paraproibição do comércio legal de armas acabará sendo apresentada à população comoum milagroso remédio. E nisto está o segundo, e talvez mais importante,equívoco. Sendo aprovada a proposta e em nada resultando no que concerne ànecessidade de redução da criminalidade, veremos aumentar a incredulidade dapopulação com as medidas que venham do Estado. Com isso, continuaremos perdendoum importante aliado na luta contra o crime: a confiança do cidadão no Estado.

Denise Frossard
Juíza de Direito; aposentada, fundadora da Transparência Brasil e DeputadaFederal pelo RJ.

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