terça-feira, outubro 04, 2005

Popium, o velho Popium - Por: Silvia Curiati

O velho Popium era conhecido por este nome nas redondezas devido à sua semelhança com Mary Poppins, a babá mais completa da história do cinema. Não que ele fosse esbelto, usasse chapéu e maleta, ou nutrisse uma paixão por um limpador de chaminés. Seu encanto estava em suas rugas profundas e longas, que guardavam segredos de todos os que cruzavam o seu caminho.Bastava que uma senhorita passasse ao seu lado com um olhar blasé para que ele colhesse do ar seu suspiro e o guardasse em uma de suas rugas, traduzindo seu sentimento e o definindo em um objeto qualquer. Poderia ser um pequeno broche, neste caso. Enrolado num lencinho com suas iniciais bordadas em azul-calcinha. Já que se tratava de amor, o segredo da donzela deveria ser traduzido em algo delicado, um tanto ridículo e talvez que machucasse um pouquinho. Transformava o sentimento em questão rapidamente em objeto e o escondia nas profundezas de sua pele.Sempre havia espaço para mais. Um estilingue, era o segredo daquele homem de negócios que só dava pedrada em seus funcionários para esconder sua tremenda insegurança. Um batom cor-de-rosa, era o daquele rapaz que não assumia sua homossexualidade. O da vizinha sadomasoquista era um alfinete. Uma gaiola, o do menino que fazia experiências químicas com os hamsters que sua irmã mais nova criava.Popium carregava o peso do mundo em sua pele. Lamentava saber de tantos segredos e não poder fazer nada, porque quando saem da alma de seus donos, já não têm o mesmo valor. Por isso mesmo poderiam ser convertidos em meros objetos inanimados.Resolveu um dia parar numa casa de penhor e deixar os segredos lá, como garantia pela dívida que havia contraído há anos quando começou a fazer sua coleção de álbuns e todo o tipo de material dos Beatles (incluindo canções raras, jamais escutadas por outros ouvidos) e de palitos-helicóptero dos Piracópteros que havia comprado, convencido de que conseguiria voar se arrumasse um jeito de juntá-los e motorizá-los. Era enfim um Day Tripper.Os segredos sumiram. Foram vendidos a preço de banana e espalhados pelo mundo. Certamente os seus donos demoraram a acostumar-se com a idéia de que não havia mais o que esconder, mas acabaram vivendo melhor depois disso.E Popium foi pro céu, com Lennon e Harrison, seus favoritos. Leve como uma pluma, sem nenhuma mágoa, nenhum vício, nenhum amor não-correspondido, nenhuma briga nem mentira em suas 1497 rugas.

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