sábado, janeiro 20, 2007

Bobagens românticas - Airton Monte

Quando eu era jovem e um rebelde sem causa, andava pelos bares de Fortaleza como um fantasma, mergulhado no silêncio cúmplice da madrugada. Diante de cada porta, meus sentidos estavam despertos e atentos aos mínimos detalhes. Já achava que beber sozinho era um acontecimento triste. Eu via as pessoas como crianças desesperadas, desprotegidas na sua solidão compartilhada. Só assim, pensava, eu conseguia amá-las, mas não era amor que eu sentia, era piedade. Talvez de mim mesmo, de minha suposta generosidade. Como era tolo quando era jovem.
Por vezes, me dava um pavor juvenil pela suprema tolice de pensar que podia jogar o jogo da vida sem comprometer-me. Eu tentava ver as pessoas como se elas fizessem parte de um jardim zoológico, eu, é claro, ficava do lado de fora das jaulas e observava as pessoas com olhinhos cruéis de um taxonomista. De madrugada, numa cidade então sem muitos perigos, caminhava pelas ruas desertas, esperando que enfim amanhecesse. Vinha uma vontade maluca de acordar as pessoas do marasmo em que eu acreditava que viviam.
Era-me impossível amá-las, não a tais pessoas sujas, frias, desconhecedoras da beleza e impregnadas do cheiro da morte, enquanto dentro de mim novas palavras ferviam, novas idéias se agitavam e afloravam-me novas descobertas a respeito de mim, do mundo. Eu apenas sofria de tristeza como outros sofriam do fígado. E fingia que não tinha medo e zombava da minha solidão sem perceber que estava cada vez mais só, mais sofrido, mais amargo, mais aprisionado a meus fantasmas. Nem desconfiava ser o pior de meus inimigos, porque o mais solerte.
Um pouco depois, já me cansava em ser um rebelde sem causa, queria ser poeta. E que ser poeta não era fácil nem difícil, e se o fosse, jamais conseguiria deixar de sê-lo. E caminhar sobre o gume de uma faca e por incrível que pareça, cortar realmente os pés e mesmo assim, mutilado, prosseguir, embora a alma fosse se tornando um mapa-mundi de cicatrizes. Nunca acreditei no mito que faz dos poetas elefantes moribundos em busca de seu inefável cemitério. Ser poeta é uma coisa à toa. Qualquer um pode ser, desde que o seja.

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