O Século de Sartre
Um século de pensamento. Hoje se comemora o centenário de Jean-Paul Sartre (1905-1980), pensador mais conhecido do movimento intelectual surgido após a segunda guerra mundial na França: o existencialismo. Além de filósofo, Sartre conquistou destaque mundial por sua produção e engajamento na política, na literatura e no teatro. Desde o começo do ano, ele tem recebido homenagens em todo o mundo. Desde maio, a editora Nova Fronteira relança toda a obra do filósofo
Nascido em Paris, há exatos 100 anos, Jean-Paul Sartre praticamente não possuiu contato com o pai que faleceu quando tinha dois anos. Acompanhando a mãe, ele cedo mudou-se para a cidade Meudon, na França, para morar com o avô materno. Há quem diga que a ausência de contato com o pai contribuiu para o filósofo desenvolver seu pensamento, pois, assim, não teve o veredicto de um superego castrador.
Independente da figura do pai ter ou não contribuído para a formação intelectual de Sartre, o fato é que ele se tornou um homem radicalmente livre, temática abordada com maior afinco em suas produções políticas, filosóficas e artísticas.
O tema da liberdade é presente em toda obra do filósofo. Para ele, os seres humanos, pelo fato de existirem, atribuem a existência significados, e acabam construindo um modelo para o tipo de homem que será. Esta construção se dá livremente, já que não há um modelo para qual o ser humano deva projetar os atos.
Desta forma, o homem está condenado a liberdade, permitindo a ele construir seus valores e tornando-o responsável pelos próprios atos. O princípio da liberdade fundamenta as teorias existenciais, também desenvolvidas pelo filósofo.
Para Sartre, o existencialismo é a prática de ação. Seus ensinamentos assinalam que o homem não tem nada e não é nada além das suas práticas e atitudes. O homem só existe a partir do momento em que se faz existir por meio de ações, sejam elas de qualquer tipo. Além de teorizar a liberdade, Sartre procurou ter uma vida extremamente libertária. Prova disso foi seu relacionamento com a moça “bem-comportada” Simone de Beauvoir (1908-1986), que conheceu na Escola Normal Superior, em 1924. Seu relacionamento amoroso sempre rendeu muito o que falar. Nunca se separaram, mas nunca também viveram juntos. Um casamento moderno, sem igreja nem cartório.
Quando o casal esteve no Brasil, em 1960, muitos buchichos e tititis permearam o meio social. No mesmo ano, Sartre e Simone de Beauvoir estiveram em Fortaleza, a convite do professor Antônio Martins Filho, fundador da UFC. Quatro dias na cidade foram suficientes para o casal visitar Canindé e ministrar conferências sobre literatura popular, no Salão Nobre da Associação Cearense de Imprensa e na Faculdade de Direito.
A cidade ficou admirada, tanto pela qualidade dos debates, quanto pelo fato de o casal de “amigos” dormirem no mesmo quarto do hotel. Neste ano, Sartre aproveitou e visitou muitas capitais do País e concedeu sua primeira entrevista na televisão, para a extinta TV Excelsior. Hoje as imagens compõem o acervo da TV Cultura.
Sartre tinha um grande engajamento político e fundou o movimento “Socialismo e Liberdade”. Era comunista, apesar de ter tido pouco envolvimento direto com o Partido Comunista. Ele era, antes de tudo, um filósofo libertário, anárquico e contrário a qualquer forma de opressão.
Por isso, rompeu com a tentativa de implantação do socialismo na União Soviética e combateu massissamente o autoritarismo exercido por Stálin, publicando o texto “O Fantasma de Stálin” (1956).
Além de textos diretos e acadêmicos, Sartre contribuiu para jornais e revistas como “Os Tempos Modernos”, “A Causa do Povo” e “Liberdade”. O escritor encontrou, na literatura e no teatro, formas emblemáticas de apresentar seu pensamento, burlando a censura existente na época.
A peça “As Moscas” apresenta, aparentemente, um drama grego, no entanto, o espetáculo se trata de uma alegoria da conjuntura política de Paris. A obra “As Moscas” será republicada em Agosto, pela Editora Nova Fronteira, junto com outros títulos.
Em comemoração ao centenário, desde o mês de maio, a Nova Fronteira vem republicando a obra do filósofo. Na bienal do Rio de Janeiro, a trilogia “Os Caminhos da Liberdade”, com as obras “A idade da Razão”, “Sursis” e “Com a Morte na Alma” foi apresentada com revisões e novas capas.
Os três livros narram a história de Mathieu Delarue, um professor de Filosofia, na Paris de 1938, que passa por conflitos existenciais ao chegar na idade aos trinta anos, a idade da razão. Ao longo da história, o protagonista se encontra com personagens que apresentam outras questões que angustiam toda a juventude: aborto, homossexualidade, engajamento político e principalmente a questão existencial, já que, para Sartre, o sujeito é livre dentro de suas escolhas.
No mês de junho, outros dois títulos foram lançados: o livro de contos “O Muro” e o primeiro romance “A Náusea”. Este último apresenta ainda características fortemente biográficas de Sartre. Há declarações dele apreciando o livro como favorito dele. Além disso, “A Náusea” já aponta com bastante clareza questões iniciais do pensamento existencialista, mais tarde apresentadas com maior aprofundamento no calhamaço “O Ser e o Nada”, um de seus textos mais famoso.
Já em “O Muro”, publicado originalmente em 1939, encontram-se cinco contos. Todas as histórias se passam na época da Guerra Civil Espanhola, o autor trabalha com situações e personagens nauseantes e nauseados, discutindo outras questões caras a ele como sexualidade, humanismo, loucura, política e vida conjugal.