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E eu, nem que nem, enfiado até o talo no cerne do mundo, no ventre de todas as mulheres que jamais possuí por incúria, crueldade e preguiça. Ah, eu sou em verdade em belo tolo, porém meus olhos reluzem como punhais no breu e eu, capitão de breve curso, vou em meio ao nevoeiro ouvindo um samba triste de Paulinho da Viola, a levar meu boêmio barco devagar. Noite dessas, a chuva grossa dedilhando um blues no meu telhado, eu sonhei morrendo e era uma morte de tal maneira delicada pois me deu a nobre graça de morrer de repente e súbito, morri, sem nenhuma dor como se apenas houvesse adormecido após um báquico porre de existência.
E muito naturalmente, subi aos infernos e vi que estava, afinal, no lugar certo para restar numa infinita atemporalidade. O que importa se acordei de um bendito pesadelo, se o inferno nada mais é que a realidade nua e crua feito um naco sangrento de um rosbife e um longo, abençoado gole de esquecimento. Eu insisto em ser eu mesmo, único e indevassável dentro de mim mesmo como num verso maldito do meu pai, poeta, áspero irmão José Alcides Pinto, a mais doce e humana encarnação da Besta. É-me impossível abdicar de ser eu mesmo. Eu, Eu, Eu gravado em inscrições escritas com o sangue dos meus antepassados.
Negras nuvens prenhes de chuva pairam sobre o fim de tarde de um domingo pleno de agonizantes prazeres e promessas. Teus olhos de Sulamita refulgem de uma claridade ainda não desperta e permitida, sarça ardente. Em mim, porém, nenhuma gota de vento solar, é só uma imensa, oceânica sensação de que ainda estou fremente feito a incandescência final da cauda de um cometa extinto. E eu estou no mundo qual um personagem de Sartre e eu, nem que nem, mergulhado no caldeirão da vida. E eu, nem que nem, animal forjado no miserável cotidiano. Um dia hei que despertar do pesadelo gritando: que coisa mais bela é a vida.
2 comentários:
Já dizia Sarte, que quem escreve se dedica a fazer um Strip-tease de si mesmo: o escritor fica nu.
Esse texto é uma ilustração verbal desta frase... Tamanha nudez chegou a chocar, a princípio... Mas no fim, se alguma nudez pode ser artística, que bela expressão de arte encontraste!
Abraços...
Fantástico!
A grosso, tosco e vugarmente modo, Foda!
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