domingo, outubro 08, 2006

A paixão secreta de Joel - Silvia Curiati

Era sempre no mesmo horário, no mesmo local. Joel passava de carro e via sua paixão loira, rosto angelical, esperando o ônibus.

Linda, cabelos invariavelmente presos na nuca, calça jeans, camiseta. O ideal de simplicidade, e ainda assim reluzia. Pele branca, olhos castanhos, mal se via a sobrancelha, de tão clara.

Carregava sempre uma mochila surrada e muitos cadernos. Ainda não tinha conseguido identificar se estava na escola, no cursinho, na faculdade. Definitivamente o rosto era de pupila. Não parecia de uma inteligência ofensiva, apenas alguém que conseguia manter-se na média, como ele próprio se definia.

Um dia resolveu seguí-la. Ou melhor, seguir o ônibus. Ela desceu apenas 20 minutos depois, na avenida Paulista. Observou-a mais um pouco e partiu, dando curso ao seu dia.

Mas o acaso às vezes dá uma mãozinha aos apaixonados. Numa daquelas manhãs, na tentativa desesperada de fugir da chuva, a menina, impaciente e ensopada, bateu na janela do carro de Joel, que estava parado em frente ao ponto do ônibus atrasado. Ele, com o olhar perdido e a fala completamente atrasada pelo susto, abriu a porta e pediu que entrasse.

Não deixou que ela dissesse nada e imediatamente levou-a à avenida de todos os dias.

Calada, ela desceu do carro e sorriu. Ele, vendo-a correr para os braços de um desconhecido, partiu triste, zerando o taxímetro e tentando lavar o coração doente com a chuva ácida de São Paulo. Levá-la ao seu destino eram os ossos do ofício.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adoro os textos dela. Partem de uma simplicidade, um evento qualquer do cotidiano, pode ser banal ou inusitado, e faz uma leitura crua dos personagens. Você se apega a eles, se identifica.
Não sei se você concorda comigo. Mas valeu pelo bom texto.
Abraço.