domingo, outubro 08, 2006

À espera de alguém amado - Silvia Curiati

Esperava no escuro, em frente à van branca, todas as noites.
Sentado, paciente, calado em seu mundo ininteligível. Ela não o compreendia, e ele não sabia fazer-se compreender. Restava o silêncio e a espera.

Chovia fraco, frio, vagaroso. Do alto da ladeira ele só podia ver a luz tênue de um poste na esquina, transformando o halo branco em um pequeno arco-íris. O brilho d'água nos paralelepípedos criava desenhos intrigantes que o distraíam enquanto as horas passavam lentas.

A rua era uma curva, uma subida íngreme. O bom de esperá-la no topo, no ponto cego, era a sensação de que ela havia escalado uma montanha para alcançá-lo no cume. Era a surpresa em seu rosto. Surpresas sempre são alegres, ele imaginava.

Avistou a lanterna do carro iluminando a ladeira e colocou-se em posição de alerta. Correu, debaixo de chuva, em direção ao centro da rua. Os olhos úmidos não davam uma boa visibilidade do que vinha pela frente.
Só percebeu o calor dos faróis quando tocaram seu nariz. Voou. Não era ela. Não conhecia o motorista.

Mas sentiu-se brevemente amado quando, minutos depois, ela chegou e o recolheu da rua com uma manta, abraçando-o contra o corpo quente. Teve tempo de abanar o rabinho, mais nada.


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