ps: legendas em espanhol
terça-feira, novembro 20, 2007
quarta-feira, julho 18, 2007
sexta-feira, julho 13, 2007
Sexta-feira 13, a origem
A superstição que ronda o número 13 é, sem dúvida, uma das mais populares. Sua origem é pagã, e não cristã, como muitos pensam, e remonta a duas lendas da mitologia nórdica. De acordo com a primeira delas, houve no Valhalla, a morada dos deuses nórdicos, um banquete para o qual 12 divindades foram convidadas. Loki, deus do fogo, ficou enciumado por não ter sido chamado e armou uma cilada: ludibriou um deus cego para que este ferisse acidentalmente o deus solar Baldur, que era o favorito de seu pai, Odin, o deus dos deuses. Daí surgiu a idéia de que reunir 13 pessoas para um jantar era desgraça na certa.
A associação com a sexta-feira vem da Escandinávia e refere-se a Frigga, a deusa da fertilidade e do amor. Quando as tribos nórdicas e alemãs foram obrigadas a se converter ao cristianismo, a lenda transformou Frigga em bruxa, exilada no alto de uma montanha. Dizia-se que, para se vingar, ela se reunia todas as sextas-feiras com outras 11 bruxas e o demônio, num total de 13 entes, para rogar pragas sobre os humanos. Isso serviu para incitar a raiva e a animosidade das pessoas contra Frigga, embora nem sequer existissem figuras malignas como o Diabo nessas culturas. Como a sexta-feira era um dia consagrado à deusa e, portanto, ao feminino, o advento do patriarcado fez com que esse dia fosse o escolhido para ser um dia amaldiçoado, como tudo o que dizia respeito às mulheres - a menstruação, as formas arredondadas, a magia, o humor cíclico, o pensamento não-linear etc.
A Última Ceia, portanto, é uma posterior releitura dos mitos originais, onde havia 13 à mesa, às vésperas da crucificação de Jesus, que ocorreu em uma sexta-feira. O 13º convidado teria sido o traidor causador da morte de Jesus, exatamente como Loki foi o causador da morte do filho de deus.
A idéia do 13 como um indício de má sorte surge da concepção que o judaico-cristianismo tem da morte, que não é, necessariamente, a idéia que Jesus teria tido. Especula-se, inclusive, que Jesus, sendo um sábio iniciado, possa ter estipulado o número de pessoas à mesa em 13 precisamente por causa da magia do número. Nas cartas do tarô, o Arcano 13 é a carta da morte, até por uma possível associação com as letras hebraicas. Estudiosos da prática interpretam a carta como um sinal de mudanças de pontos de vista, de formas de viver, e profundas transformações internas e externas. Mesmo quando se refere à morte física, na concepção religiosa, esta não representa um fim em si mesma, afinal os povos antigos viam a morte como transmutação, uma passagem para outro mundo ou plano de existência, em geral com uma conotação evolutiva. Por esse motivo, as tradições de magia ocidental, como a Wicca (bruxaria moderna), sugerem o número de 13 participantes em rituais.
Lendas à parte, o fato é que, muitas pessoas, supersticiosas, evitam viajar na sexta-feira 13; a numeração dos camarotes de teatro omite, por vezes, o 13; em alguns hotéis não há o quarto de número 13, que é substituído pelo 12-a; muitos prédio pulam do 12º para o 14º andar, temendo que o 13º traga azar; há pessoas que pensam que participar de um jantar com 13 pessoas traz má sorte, porque uma delas morrerá no período de um ano. A sexta-feira 13 é, enfim, considerada um dia de azar e toma-se muito cuidado quanto às atividades planejadas para este dia.
Essa interpretação, porém, é tão arbitrária quanto regionalizada, já que em vários outros locais do planeta o número 13 é estimado como símbolo de boa sorte. O argumento dos otimistas se baseia no fato de que o 13 é um número afim ao 4 (1 + 3 = 4), sendo este um símbolo de próspera sorte. Na Índia, o 13 é um número religioso muito apreciado e os pagodes hindus apresentam normalmente 13 estátuas de Buda. Na China, é comum os dísticos místicos dos templos serem encabeçados pelo número 13. Também os mexicanos primitivos consideravam o número 13 como algo santo e adoravam, por exemplo, 13 cabras sagradas.
O que então faz a diferença? O que faz com que o número 13 e a sexta-feira sejam positivos para alguns e negativos para outros, e ainda neutros para outros?
Mais uma vez é tudo uma questão de sintonia. Somos o que pensamos, transformamo-nos naquilo em que acreditamos, vivemos naquilo em que criamos para nós mesmos. Cultivadas e difundidas há séculos, estas lendas vêm criando à sua volta todo um complexo espiritual e energético, alimentado e suportado pelas próprias mentes que crêem em seus relatos ou que, mesmo não conhecendo estes relatos, crêem nestas superstições.
Pensamentos e sentimentos são energia. Tudo o que pensamos e sentimos gera modificações vibratórias nas nossas energias, na nossa aura, no ambiente à nossa volta. E o mesmo acontece quando expressamos, ainda que silenciosamente, as nossas crenças, os nossos medos, as nossas superstições, opiniões, etc.
Crenças, símbolos, mitos e lendas cultivados por muito tempo e por muitas gerações tendem a criar imensos campos vibratórios coletivos (holopensenes), formados pelas emanações mentais e emocionais de todas as criaturas que, de alguma forma, se afinizaram e ainda se afinizam com os seus objetivos, princípios ou idéias. Como são muito grandes e também muito fortes, campos como estes podem perdurar por séculos ou nunca se extinguir se sempre houver alguém disposto a realimentá-los com suas crenças e idéias, modificando as energias ao seu redor e entrando em sintonia com aquelas energias.
Esses campos imensos estão por aí, suspensos, pairando sobre nós. Imaginemos, assim, o campo vibratório referente à desavisada "sexta-feira 13". Quantas e quantas criaturas o vêm realimentando? E há quanto tempo? Baseadas em quê? Lendas antigas? Ou mitos criados por religiosos que nada mais desejavam do que afastar os povos de suas crenças originais por meio do medo para alcançar mais poder?
De que tamanho será que ele está hoje? E a cada sexta-feira 13 que aparece no calendário ele se torna um pouco maior, e mais forte, alimentado por supersticiosos que insistem em continuar repetindo mecanicamente manias dos seus antepassados.
A sexta-feira e o 13, juntos ou separados, na verdade, nada podem. Eles mesmos não têm poder algum. São inofensivos. O poder está em quem acredita que eles têm poder. O poder, para o bem ou para o mal, está em que acredita que eles podem criar, gerar ou fazer o bem ou o mal. Assim, se alguém acreditar que a sexta-feira 13 dá ou traz azar, irá se conectar ao respectivo campo vibratório já existente, contaminando-se de toda a angústia, o medo e o terror armazenados lá, atraindo para si algo da energia "ruim" que há ali, podendo, assim, provocar algo de "ruim" em sua vida. Não é, portanto, a sexta-feira 13 que traz azar, mas o supersticioso que vai buscá-lo toda sexta-feira 13, com os seus pensamentos, o seu medo, a sua própria angústia e falta de confiança.
O problema é que há tanta gente adepta do dito popular "no creo en las brujas, pero que las hay, las hay", que, sempre que aparece uma sexta-feira 13, o ambiente fica mais pesado, pelas emanações das pessoas que, "só por precaução", ficam ligadas, procurando "sinais" de azar, tentando passar ilesas pelo dia amaldiçoado. E aí, fica parecendo que a superstição tem algum fundamento...
Fonte: Cláudia Hauy, socióloga. Extraído em parte da Revista Galileu.
A associação com a sexta-feira vem da Escandinávia e refere-se a Frigga, a deusa da fertilidade e do amor. Quando as tribos nórdicas e alemãs foram obrigadas a se converter ao cristianismo, a lenda transformou Frigga em bruxa, exilada no alto de uma montanha. Dizia-se que, para se vingar, ela se reunia todas as sextas-feiras com outras 11 bruxas e o demônio, num total de 13 entes, para rogar pragas sobre os humanos. Isso serviu para incitar a raiva e a animosidade das pessoas contra Frigga, embora nem sequer existissem figuras malignas como o Diabo nessas culturas. Como a sexta-feira era um dia consagrado à deusa e, portanto, ao feminino, o advento do patriarcado fez com que esse dia fosse o escolhido para ser um dia amaldiçoado, como tudo o que dizia respeito às mulheres - a menstruação, as formas arredondadas, a magia, o humor cíclico, o pensamento não-linear etc.
A Última Ceia, portanto, é uma posterior releitura dos mitos originais, onde havia 13 à mesa, às vésperas da crucificação de Jesus, que ocorreu em uma sexta-feira. O 13º convidado teria sido o traidor causador da morte de Jesus, exatamente como Loki foi o causador da morte do filho de deus.
A idéia do 13 como um indício de má sorte surge da concepção que o judaico-cristianismo tem da morte, que não é, necessariamente, a idéia que Jesus teria tido. Especula-se, inclusive, que Jesus, sendo um sábio iniciado, possa ter estipulado o número de pessoas à mesa em 13 precisamente por causa da magia do número. Nas cartas do tarô, o Arcano 13 é a carta da morte, até por uma possível associação com as letras hebraicas. Estudiosos da prática interpretam a carta como um sinal de mudanças de pontos de vista, de formas de viver, e profundas transformações internas e externas. Mesmo quando se refere à morte física, na concepção religiosa, esta não representa um fim em si mesma, afinal os povos antigos viam a morte como transmutação, uma passagem para outro mundo ou plano de existência, em geral com uma conotação evolutiva. Por esse motivo, as tradições de magia ocidental, como a Wicca (bruxaria moderna), sugerem o número de 13 participantes em rituais.
Lendas à parte, o fato é que, muitas pessoas, supersticiosas, evitam viajar na sexta-feira 13; a numeração dos camarotes de teatro omite, por vezes, o 13; em alguns hotéis não há o quarto de número 13, que é substituído pelo 12-a; muitos prédio pulam do 12º para o 14º andar, temendo que o 13º traga azar; há pessoas que pensam que participar de um jantar com 13 pessoas traz má sorte, porque uma delas morrerá no período de um ano. A sexta-feira 13 é, enfim, considerada um dia de azar e toma-se muito cuidado quanto às atividades planejadas para este dia.
Essa interpretação, porém, é tão arbitrária quanto regionalizada, já que em vários outros locais do planeta o número 13 é estimado como símbolo de boa sorte. O argumento dos otimistas se baseia no fato de que o 13 é um número afim ao 4 (1 + 3 = 4), sendo este um símbolo de próspera sorte. Na Índia, o 13 é um número religioso muito apreciado e os pagodes hindus apresentam normalmente 13 estátuas de Buda. Na China, é comum os dísticos místicos dos templos serem encabeçados pelo número 13. Também os mexicanos primitivos consideravam o número 13 como algo santo e adoravam, por exemplo, 13 cabras sagradas.
O que então faz a diferença? O que faz com que o número 13 e a sexta-feira sejam positivos para alguns e negativos para outros, e ainda neutros para outros?
Mais uma vez é tudo uma questão de sintonia. Somos o que pensamos, transformamo-nos naquilo em que acreditamos, vivemos naquilo em que criamos para nós mesmos. Cultivadas e difundidas há séculos, estas lendas vêm criando à sua volta todo um complexo espiritual e energético, alimentado e suportado pelas próprias mentes que crêem em seus relatos ou que, mesmo não conhecendo estes relatos, crêem nestas superstições.
Pensamentos e sentimentos são energia. Tudo o que pensamos e sentimos gera modificações vibratórias nas nossas energias, na nossa aura, no ambiente à nossa volta. E o mesmo acontece quando expressamos, ainda que silenciosamente, as nossas crenças, os nossos medos, as nossas superstições, opiniões, etc.
Crenças, símbolos, mitos e lendas cultivados por muito tempo e por muitas gerações tendem a criar imensos campos vibratórios coletivos (holopensenes), formados pelas emanações mentais e emocionais de todas as criaturas que, de alguma forma, se afinizaram e ainda se afinizam com os seus objetivos, princípios ou idéias. Como são muito grandes e também muito fortes, campos como estes podem perdurar por séculos ou nunca se extinguir se sempre houver alguém disposto a realimentá-los com suas crenças e idéias, modificando as energias ao seu redor e entrando em sintonia com aquelas energias.
Esses campos imensos estão por aí, suspensos, pairando sobre nós. Imaginemos, assim, o campo vibratório referente à desavisada "sexta-feira 13". Quantas e quantas criaturas o vêm realimentando? E há quanto tempo? Baseadas em quê? Lendas antigas? Ou mitos criados por religiosos que nada mais desejavam do que afastar os povos de suas crenças originais por meio do medo para alcançar mais poder?
De que tamanho será que ele está hoje? E a cada sexta-feira 13 que aparece no calendário ele se torna um pouco maior, e mais forte, alimentado por supersticiosos que insistem em continuar repetindo mecanicamente manias dos seus antepassados.
A sexta-feira e o 13, juntos ou separados, na verdade, nada podem. Eles mesmos não têm poder algum. São inofensivos. O poder está em quem acredita que eles têm poder. O poder, para o bem ou para o mal, está em que acredita que eles podem criar, gerar ou fazer o bem ou o mal. Assim, se alguém acreditar que a sexta-feira 13 dá ou traz azar, irá se conectar ao respectivo campo vibratório já existente, contaminando-se de toda a angústia, o medo e o terror armazenados lá, atraindo para si algo da energia "ruim" que há ali, podendo, assim, provocar algo de "ruim" em sua vida. Não é, portanto, a sexta-feira 13 que traz azar, mas o supersticioso que vai buscá-lo toda sexta-feira 13, com os seus pensamentos, o seu medo, a sua própria angústia e falta de confiança.
O problema é que há tanta gente adepta do dito popular "no creo en las brujas, pero que las hay, las hay", que, sempre que aparece uma sexta-feira 13, o ambiente fica mais pesado, pelas emanações das pessoas que, "só por precaução", ficam ligadas, procurando "sinais" de azar, tentando passar ilesas pelo dia amaldiçoado. E aí, fica parecendo que a superstição tem algum fundamento...
Fonte: Cláudia Hauy, socióloga. Extraído em parte da Revista Galileu.
terça-feira, julho 10, 2007
quarta-feira, julho 04, 2007
Do Eros nos ensinamentos de Diotima de Mantinéia - Esteban Reyes
O Amor, uma das vias possíveis para o filósofo atingir o Inteligível, a imortalidade.
Eros: Amor, desejo, princípio cosmológico. Eros é uma força motriz num modelo sexual usada para explicar o "casamento" e o "nascimento" dos elementos mitológicos, uma espécie de "Primeiro Motor". Em Parmênides ele é o daimon "que tudo guia". Nas cosmogonias órficas ele tudo une e, destas uniões, nasce a raça dos deuses imortais, neste caso, apresenta-se o amor como uma emoção humana elevada ao nível de uma força cosmológica. Empédocles considera o amor (philotes) e o conflito ou luta (neikos) como princípios de união e separação, respectivamente, dos elementos que constituem o universo. Contudo, Platão orienta o significado de Eros para um novo sentido onde o amor humano é reorientado em direção a um amor filosófico.
Poderíamos perguntar até que ponto o amor platônico é ainda um legado socrático, um conceito de passagem entre a filosofia imanente de Sócrates e a filosofia transcendente de Platão. A importância do amor, para Sócrates, fica evidente quando este afirma: não saber nada a não ser a respeito do amor. Se o amor em Sócrates já pressupõe a ultrapassagem do próprio ser em função do caráter demoníaco que resulta da inspiração erótica, em Platão ele aparece já como um amor verdadeiramente filosófico, cujo objeto será determinado.
Essencialmente Platão desenvolve o problema do Amor em três dos seus diálogos: Lísis, Banquete e Fedro, certamente nesta mesma ordem cronológica de redação. No primeiro, um diálogo aporético, Platão apresenta o problema do amor sem lhe dar um desenvolvimento maior. Já no segundo diálogo mencionado, o autor expõe extensamente este problema. E por último, no Fedro, são esclarecidos alguns pontos que ficaram em aberto no Banquete.
Resumidamente o Lísis trata do amor como philia, isto é, amizade, da essência da amizade. Pela primeira vez Platão busca uma definição desta atração entre os homens, sugere que talvez ela seja análoga à atração do semelhante pelo semelhante,ponto de vista rejeitado, assim como o da atração dos dissemelhantes. Logo a seguir, apresenta-se um princípio que remonta à teoria médica tendo aplicações importantes nas teorias contemporâneas do prazer (hedone): o desejo (epithymia) e o seu conseqüente, o amor, é dirigido para o preenchimento de uma falta (endeia) e o seu objeto, por conseguinte, é algo que é apropriado (oikeion), algo que não é idêntico nem totalmente dissemelhante e contudo deficiente na nossa constituição.
Se no Líses procurou-se saber quem deve manter amizade, no Banquete esse "quem" está de antemão indicado. Trata-se do Eros, não uma idéia, mas o próprio deus do amor, no sentido de afeto centralizado pelo sexo. Na sucessão dos discursos que elogiam Eros, acabamos encontrando a definição da sua natureza.
No Banquete, o amor é um desejo dirigido para o belo (kallos) e necessariamente envolve a noção de uma necessidade ou falta (endeia). Através de um mito, que teria sido revelado por Diotima de Mantinéia, Eros aparece como um grande daimon, um dos intermediários (metaxu) entre o divino e o mortal, entre a sabedoria e a ignorância. Eros é definido como o desejo de que o bem seja nosso para sempre, e também, como a procura por uma natureza mortal, da imortalidade que ele realiza gerando (genesis).
Em seguida, continua o relato dos ensinamentos de Diotima, com uma exposição do verdadeiro amor. O concurso dos belos corpos gera belos discursos (logoi). O amante afasta-se de um único corpo e torna-se um amante de todos os corpos belos, daí volta-se para as belas almas, as leis, observâncias, e o conhecimento (episteme), libertando-se sempre da ligação ao particular, até que "subitamente" lhe é revelada a visão da própria beleza, o belo em si (auto to kalon).
No Fedro, inicialmente, aparece a definição do Eros como um desejo irracional dirigido para o gozo da beleza. Mais tarde,esta significação é desdita. A irracionalidade do amor é, na verdade, um tipo de loucura divina (theia mania) e está presente na alma como reflexo da lembrança (anamnesis) que a alma tem dos eide que lhe foram revelados antes da sua "perda de asas". É a alma do filósofo que primeiro recupera estas asas pelo exercício da recordação que ela tem dos eide e pela orientação da sua vida em concordância. O filósofo é a isto estimulado pela visão da beleza terrena. É a beleza que particularmente move a nossa recordação porque ela opera através do mais agudo dos nossos sentidos, a visão.
O Banquete
O Banquete é um diálogo que apresenta os discursos de sete convivas sobre o amor. Dramaticamente, é talvez o mais bem-sucedido dos diálogos platônicos. Cada participante tem sua individualidade e a cada um compete fazer valer seus talentos individuais (orador, médico ou poeta). Platão prepara-nos gradualmente, para a revelação final, o poder filosófico do amor. Percorramos então este caminho.
Fedro fala como um jovem, mas como jovem que tem as paixões purificadas pelo estudo da filosofia. Faz de Eros o deus mais antigo e, por conseguinte, o mais venerável, suscitando no homem o desejo de virtude, fonte de heroísmo e de moralidade, uma definição que apenas reintroduz o sentido arcaico e tradicional da divindade.
Pausânias, homem amadurecido, a quem a idade e a filosofia tem-lhe ensinado o que a juventude não sabe, constrói sua argumentação sobre a distinção entre uma Afrodite celeste e uma Afrodite vulgar. Como há duas Afrodites, há dois Eros e duas formas de Amar.
Erixímaco expressa-se como médico, indo além do quadro estritamente humano, vê no amor a força que governa o mundo e rege os fenômenos, tanto biológicos quanto cosmológicos; define Eros como a união dos contrários, num discurso que tem ecos empedocleanos.
Aristófanes, com a eloquência do poeta cômico, ocultando sob uma forma burlesca pensamentos profundos, conta a história mítica do "andrógino". Os primeiros homens eram duplos (macho-macho, fêmea-fêmea, macho-fêmea) e Zeus, como castigo, os dividiu ao meio. Desde então os homens vivem na privação e nostalgia da outra metade. É disso que nasce o amor, marcado pela ausência e negatividade. A nostalgia do ser amado suscita o desejo, a penúria incita à busca, cada parte tateia à procura por sua metade perdida e da sua completude original. Eros, ao contrário do afirmado por Erixímaco, é a união dos semelhantes separados. Eros é um na sua essência, e sua função é, precisamente, recriar a unidade. Eros é o único deus a poder curar o mal que cinde originariamente o homem e trazer-lhe a felicidade: reencontrar no amor sua unidade original.
Agatão, jovem e belo verdadeira encarnação do kalos kagatos grego, é em honra por sua vitória no concurso de arte dramática que se realiza o Simpósion. Num elogio verboso e sofisticado, próprio do poeta, porém confuso, artificial e vazio, atribui a Eros todas as perfeições imagináveis.
Sócrates relata os ensinamentos da sacerdotisa Diotima de Mantinéia: Eros, "intermediário" entre os homens e os deuses, é um meio que permite ir mais além na direção do inteligível; ele nos inspira o desejo de ter sempre o bem; sua ação é uma geração que garante aos mortais a imortalidade que lhes é possível.
Alcibíades, que chega no decorrer do banquete, acompanhado de jovens pândegos, fecha com verve e paixão o diálogo, com um notável elogio a Sócrates e, por meio dele, à filosofia.
A imagem filosófica do amor:
Por mais ricos que sejam os cinco primeiros elogios do amor, em erudição, humor, imagens poéticas ou referências mitológicas, não passam de aproximações insuficientes, que qualificam o amor sem apreender sua natureza. Ao chegar a vez de Sócrates, a filosofia tem a palavra; há de falar-se da natureza do amor.
Eros deseja o que não possui, desejando o belo e o bom, está privado deles. Não poderia, portanto, ser um deus, já que está marcado por essa falta. Contudo, não é mortal. Será, então, um "intermediário" (metaxu) entre um e outro. Sendo meio e mediador entre dois mundos (sensível e inteligível, mortal e imortal), participa dos dois ao mesmo tempo. Mas também é um intermediário entre a ignorância e o saber, e por isso o amor é dito ser filósofo. Não sabe, mas sabe que não sabe. Eros está consciente da sua carência e aspira a preenchê-la, daí parte à conquista do saber, do bem, do belo, da imortalidade.
O mito genealógico:
Quando se trata de falar da genealogia do Amor, Platão abre mão da sua tradicional argumentação dialética, e nos oferece um curto, porém fascinante mito. Isto porque, sem dúvida, o Amor tem um fundo de mistério, e quando este se desvenda não é por demonstração, mas sim por revelação imediata.
Eros é um daimon,algo entre o mortal e o imortal, cuja função é essencialmente a de síntese, uma síntese das caraterísticas herdadas de seus pais. O mito do nascimento do Amornos apresenta Eros filho de Poros, ele mesmo filho de Mátis (Sabedoria, Inteligência prática) e Penia. O nome da mãe (Penia) pode ser traduzido sem dificuldades por pobreza, penúria, escassez, inópia, indigência. Já com o nome do pai (Poros), as coisas não são tão simples assim, há quem o traduza por "abundância", "fartura", "plenitude", "riqueza". Se fosse assim, teríamos o Amor como fruto de dois contrários, pobreza e riqueza, o que não é bem verdade. Poros, melhor traduzido, quer dizer recurso, passagem, abertura, saída. Deste modo Poros é aquele que tem saída para tudo, tem os recursos necessários para resolver os problemas.
Com tal natureza e função, a unidade desse daimon consiste em inspirar nos homens o desejo de possuir o que é belo e o que é bom não apenas momentaneamente, mas sempre. Ninguém ama verdadeiramente se ao mesmo tempo não deseja que seu amor dure para sempre. Eros não é só o amor do que é belo, mas da geração no que é belo. Por ter sido gerado no dia do nascimento de Afrodite, nasce sob o signo da beleza.
Eros herdou de seus pais uma feliz mistura, porém, não estável: mendigo e investigador, inquieto e apaixonado, pobre em bens materiais, mas rico em recursos potenciais, não tem nada, mas quer muito. Tem uma natureza dinâmica, mas instável, um caráter ardente, mas caprichoso, uma engenhosidade inventiva, mas insatisfeita. Está em penúria, mas conhece sua penúria; quer sair de si e aspira por saber, por beleza e por fecundidade.
O mito do nascimento do amor apresenta um Eros numa posição diametralmente oposta às fixadas pelos discursos anteriores. Contra Agatão que ressalta as virtudes do amor, temos fragilidade e instabilidade. Opondo-se a Pausânias, temos apenas um único Eros, porém, com uma unidade complexa e rica em virtualidades. Contra o mito de Aristófanes, Eros é inovador é fecundo, estimula o que ama, incita-o a criar e ir mais além. Abre-se para o inédito, inventa o novo e prolonga-se, a si mesmo, numa criação original.
Tanto no mito de Diotima quanto no de Aristófanes, aparece a idéia da dualidade do homem, conflituoso pelas contradições de sua natureza, dilacerado por suas carências e suas esperanças, pela fragilidade de seu ser e o ardor de suas aspirações. O próprio sentido de filosofia, para Platão, não deixa de ser uma tensão de todo o ser em direção a um objeto que não temos ou que já perdemos por esquecimento. Assim, este "amor pela sabedoria" é primeiro carência, consciência de uma carência, depois a implementação de recursos para suprir essa carência. Contudo, os ensinamentos de Diotima vão muito mais longe do que o mito de Aristófanes. O amor é muito mais do que a tensão de dois seres um face ao outro. O amor é "parto na beleza, de acordo com a alma e o corpo", é fecundo, procriador ou, de maneira mais geral, criador. Para além da hipótese de dois seres presos a um passado perdido, o amor convida à superação, abre-se ao inédito e assegura, mediante a criação, a passagem da mortalidade à imortalidade. A finalidade não é o prazer individual e imediato da beleza, mas sim, a perpetuação da vida por intermédio de um ato criador ao qual assiste a Beleza. A procriação é um atributo divino do animal mortal. Eros é, em última instância, o desejo de imortalidade. O amor, aqui, é uma tensão dinâmica e extrovertida, que estimula, enriquece e eleva o indivíduo que ama. O amor é motor para a transcendência.
Em todos os discursos sobre Eros, aparece a descrição do seu comportamento e dos seus impulsos. Contudo, para Diotima, o alvo dos seus impulsos é aqui, não o prazer superior da amizade masculina, entendida como um clima de virtude e uma condição de educação, nem aquela procura de uma metade perdida, que corrigiria em parte nossa irremediável mutilação, mas simplesmente os belos seres (ta kala).Como será visto mais adiante, belos podem ser os corpos, as almas, as leis, as ciências, etc. Eros amante da beleza, necessariamente terá que amar a sabedoria, bela entre as coisas mais belas, assim o Amor, conclui Diotima, é filósofo.
Dialética erótica:
A segunda parte dos ensinamentos da sacerdotisa Diotimapode ser considerado muito mais um discurso inspirado do que propriamente um mito. É um "mistério", uma revelação que se apresenta à maneira de uma narrativa iniciática. Essa narrativa apresenta três caraterísticas: é contínua; inspirada; e sugestiva e evocadora. Não é um mito mas se move no campo do mito platônico.
Segundo o discurso de Diotima o objeto do amor é o parto na beleza, tanto no corpo como na alma. Além da tensão em direção ao que não se tem, agora aparece um novo elemento: a fecundidade. O amor é fecundo, tanto na procriação ao nível do corpo, quanto ao nível intelectual ou espiritual. O amor é criação, motor para a transcendência. A partir da beleza sensível (deste mundo), vamos subindo degrau por degrau a escada que nos levará até a beleza em si, a beleza absoluta do mundo inteligível.
Quando o amante encontra uma bela alma, esta união amorosa gera não uma criança (paida), mas sim belos discursos (logos), com a finalidade de educar (paideuein). A partir da correspondência dos termos gregos, podemos entender paideuein com o sentido de "fazer uma criança", sendo assim os discursos podem ser considerados como "os filhos do amor espiritual". Com isto, os discursos com o propósito de educar, isto é, de fazer espiritualmente uma criança, são o fruto da geração de um novo ser, ser este que garante ao seu criador uma imortalidade desta vez ao nível espiritual, da alma.
Os graus, ou "degraus" da iniciação à beleza são na realidade três, cada um deles dividido, por sua vez, em dois momentos. Primeiro o amante afeiçoar-se-á a um corpo belo, então fará belos discursos; depois verá que a beleza de um corpo é irmã da beleza de todos os outros, assim, passará a amar todos os corpos belos. O segundo degrau permite passar do amor pelos corpos ao amor pelas almas. O verdadeiro discípulo do Eros afeiçoar-se-á, num primeiro momento, a uma alma em particular, para depois descobrir a beleza moral, a dos atos, que torna belas todas as atividades e comportamentos humanos. Já a terceira etapa, o iniciado passará dos atos às ciências. Aqui, também, num primeiro momento o amor será amor das particularidades das ciências para, em seguida, expandir-se num amor pela ciência ou saber em geral, e enfim alcançar a ciência única, a da Beleza.
Lá subitamente desvenda-se a beleza eterna e única, o Belo em si e por si, contempla-se a verdade nela mesma, a beleza divina nela mesma, na unidade da sua forma. A iniciação tendo sido lenta e gradual, a revelação, no entanto, é súbita e instantânea. Livre da multiplicidade das aparências e da volubilidade das opiniões, sua existência reside inteiramente na sua essência. O amor deixa de ser tensão e tendência em direção àquilo de que ainda estava desprovido. Enfim, terminam após tantas lutas "as dores do parto".
Este é, não só, um momento de êxtase, como também místico: "êxtase" porque o discípulo sai fora de si na contemplação do belo transcendente; e "místico" porque é uma coisa tão oculta, que só se revela ao fim de uma longa iniciação pela qual poucos passam.
O que no Lísis é denominado de Primum Amabile, agora, no Banquete, é apresentado como sendo o Belo em si. Este Belo em si eqüivale à Idéia de Bem, na República, e a ascensão erótica, narrada por Diotima, não é outra coisa do que a fórmula estética da dialética platônica.
Um esquema que bem reproduz esta ascensão erótica, é o apresentado por Geneviève Droz:
Idéia do Belo Amor pela Beleza em si
e por si
Amor pela ciência
Educação intelectual
Amor pelas ciências
Amor pelas belas ações,
pela beleza moral
Educação moral
Amor por uma alma bela
Amor por todos os corpos belos,
pela beleza corporal
Educação estética
Amor por um corpo belo
O elogio à filosofia:
O apaixonado Alcibíades é responsável pelo fechamento do diálogo. Este faz um discurso enamorado e nos apresenta um Sócrates numa posição semelhante a do Eros. Assim como no dia da geração de Eros que Poros estava embriagado,agora no dia do elogio a Sócrates é Alcibíades, o responsável por esse discurso, quem está bêbado; e se todo se passa no dia do banquete em comemoração a Afrodite, agora o banquete é em comemoração a Agatão o mais belo (kalliston).
Sócrates não é belo nem feio, mas sedutor e encantador; é pobre e tem os pés descalços, mas está sempre em busca de enriquecimento interior; é ingênuo, mas engenhoso caçador de verdades. Por sua estranheza e pelo mistério que emana de sua personalidade feita de contrastes é, ele mesmo, uma figura daimônica, mediador e traço de união entre os homens e os deuses. Destarte, a filosofia é amor, o amor é filósofo, e Sócrates é o protótipo acabado dessas duas mediações salvadoras. Sócrates como "a imagem total do Amor". O elogio a Sócrates representa o "coroamento" do Banquete.
CONCLUSÃO
Podemos observar um certo paralelismo entre a alegoria da caverna e o discurso que Sócrates atribui a Diotima de Mantinéia. Na República é descrito o processo de conversão das consciências à luz. Parte-se das sombras até chegar às Idéias. Já no Banquete temos uma "ascese erótica", onde Eros desempenha em relação aos sentimentos e às emoções o mesmo papel de intermediário que as entidades matemáticas representam para a vida intelectual. Eros comanda a subida por via da atração que a beleza dos corpos exerce sobre os sentidos e remete à contemplação da Idéia do Belo, o Belo em si. Esse é o sentido da dialética do desejo que o Banquete analisa no plano do sentimento, e que a República e a Carte VII analisam no plano do conhecimento.
Em Platão encontramos a construção do conhecimento constituído pela união de intelecto e emoção, de razão e vontade: a episteme é o fruto de inteligência e amor. O essencial continua sendo: a Verdade, o Bem e a Beleza, três manifestações diferentes da mesma e única realidade suprema. Enfim compreendemos o ensinamento de Diotima, do próprio Platão, Eros é metaxu: intermediário entre contrários (pobreza/abundância, ignorância/saber); Eros é, também e sobretudo, intermediário entre o humano e o divino, entre o sensível e o inteligível, entre o mortal e o imortal.
Eros é o próprio desejo da imortalidade. Esta é a única imortalidade possível para o homem, tanto pelo corpo, quanto pela alma. No primeiro caso, a imortalidade, se produz pelo nascimento dos filhos, pela sucessão e substituição de um ser idoso por um outro ser juvenil. Entretanto por cima desta produção e desta imortalidade corporal, há as do segundo caso, segundo o espírito. Estas são próprias do homem que ama a beleza da alma, e que trabalha para produzir numa alma bela, que o tem seduzido, os rasgos da virtude e do dever. Desta maneira, o homem perpetua a sabedoria que na sua alma se alojava e assegura um tipo de imortalidade superior à primeira. Este é o homem verdadeiramente virtuoso, o filósofo, o verdadeiramente imortal.
Poderíamos perguntar até que ponto o amor platônico é ainda um legado socrático, um conceito de passagem entre a filosofia imanente de Sócrates e a filosofia transcendente de Platão. A importância do amor, para Sócrates, fica evidente quando este afirma: não saber nada a não ser a respeito do amor. Se o amor em Sócrates já pressupõe a ultrapassagem do próprio ser em função do caráter demoníaco que resulta da inspiração erótica, em Platão ele aparece já como um amor verdadeiramente filosófico, cujo objeto será determinado.
Essencialmente Platão desenvolve o problema do Amor em três dos seus diálogos: Lísis, Banquete e Fedro, certamente nesta mesma ordem cronológica de redação. No primeiro, um diálogo aporético, Platão apresenta o problema do amor sem lhe dar um desenvolvimento maior. Já no segundo diálogo mencionado, o autor expõe extensamente este problema. E por último, no Fedro, são esclarecidos alguns pontos que ficaram em aberto no Banquete.
Resumidamente o Lísis trata do amor como philia, isto é, amizade, da essência da amizade. Pela primeira vez Platão busca uma definição desta atração entre os homens, sugere que talvez ela seja análoga à atração do semelhante pelo semelhante,ponto de vista rejeitado, assim como o da atração dos dissemelhantes. Logo a seguir, apresenta-se um princípio que remonta à teoria médica tendo aplicações importantes nas teorias contemporâneas do prazer (hedone): o desejo (epithymia) e o seu conseqüente, o amor, é dirigido para o preenchimento de uma falta (endeia) e o seu objeto, por conseguinte, é algo que é apropriado (oikeion), algo que não é idêntico nem totalmente dissemelhante e contudo deficiente na nossa constituição.
Se no Líses procurou-se saber quem deve manter amizade, no Banquete esse "quem" está de antemão indicado. Trata-se do Eros, não uma idéia, mas o próprio deus do amor, no sentido de afeto centralizado pelo sexo. Na sucessão dos discursos que elogiam Eros, acabamos encontrando a definição da sua natureza.
No Banquete, o amor é um desejo dirigido para o belo (kallos) e necessariamente envolve a noção de uma necessidade ou falta (endeia). Através de um mito, que teria sido revelado por Diotima de Mantinéia, Eros aparece como um grande daimon, um dos intermediários (metaxu) entre o divino e o mortal, entre a sabedoria e a ignorância. Eros é definido como o desejo de que o bem seja nosso para sempre, e também, como a procura por uma natureza mortal, da imortalidade que ele realiza gerando (genesis).
Em seguida, continua o relato dos ensinamentos de Diotima, com uma exposição do verdadeiro amor. O concurso dos belos corpos gera belos discursos (logoi). O amante afasta-se de um único corpo e torna-se um amante de todos os corpos belos, daí volta-se para as belas almas, as leis, observâncias, e o conhecimento (episteme), libertando-se sempre da ligação ao particular, até que "subitamente" lhe é revelada a visão da própria beleza, o belo em si (auto to kalon).
No Fedro, inicialmente, aparece a definição do Eros como um desejo irracional dirigido para o gozo da beleza. Mais tarde,esta significação é desdita. A irracionalidade do amor é, na verdade, um tipo de loucura divina (theia mania) e está presente na alma como reflexo da lembrança (anamnesis) que a alma tem dos eide que lhe foram revelados antes da sua "perda de asas". É a alma do filósofo que primeiro recupera estas asas pelo exercício da recordação que ela tem dos eide e pela orientação da sua vida em concordância. O filósofo é a isto estimulado pela visão da beleza terrena. É a beleza que particularmente move a nossa recordação porque ela opera através do mais agudo dos nossos sentidos, a visão.
O Banquete
O Banquete é um diálogo que apresenta os discursos de sete convivas sobre o amor. Dramaticamente, é talvez o mais bem-sucedido dos diálogos platônicos. Cada participante tem sua individualidade e a cada um compete fazer valer seus talentos individuais (orador, médico ou poeta). Platão prepara-nos gradualmente, para a revelação final, o poder filosófico do amor. Percorramos então este caminho.
Fedro fala como um jovem, mas como jovem que tem as paixões purificadas pelo estudo da filosofia. Faz de Eros o deus mais antigo e, por conseguinte, o mais venerável, suscitando no homem o desejo de virtude, fonte de heroísmo e de moralidade, uma definição que apenas reintroduz o sentido arcaico e tradicional da divindade.
Pausânias, homem amadurecido, a quem a idade e a filosofia tem-lhe ensinado o que a juventude não sabe, constrói sua argumentação sobre a distinção entre uma Afrodite celeste e uma Afrodite vulgar. Como há duas Afrodites, há dois Eros e duas formas de Amar.
Erixímaco expressa-se como médico, indo além do quadro estritamente humano, vê no amor a força que governa o mundo e rege os fenômenos, tanto biológicos quanto cosmológicos; define Eros como a união dos contrários, num discurso que tem ecos empedocleanos.
Aristófanes, com a eloquência do poeta cômico, ocultando sob uma forma burlesca pensamentos profundos, conta a história mítica do "andrógino". Os primeiros homens eram duplos (macho-macho, fêmea-fêmea, macho-fêmea) e Zeus, como castigo, os dividiu ao meio. Desde então os homens vivem na privação e nostalgia da outra metade. É disso que nasce o amor, marcado pela ausência e negatividade. A nostalgia do ser amado suscita o desejo, a penúria incita à busca, cada parte tateia à procura por sua metade perdida e da sua completude original. Eros, ao contrário do afirmado por Erixímaco, é a união dos semelhantes separados. Eros é um na sua essência, e sua função é, precisamente, recriar a unidade. Eros é o único deus a poder curar o mal que cinde originariamente o homem e trazer-lhe a felicidade: reencontrar no amor sua unidade original.
Agatão, jovem e belo verdadeira encarnação do kalos kagatos grego, é em honra por sua vitória no concurso de arte dramática que se realiza o Simpósion. Num elogio verboso e sofisticado, próprio do poeta, porém confuso, artificial e vazio, atribui a Eros todas as perfeições imagináveis.
Sócrates relata os ensinamentos da sacerdotisa Diotima de Mantinéia: Eros, "intermediário" entre os homens e os deuses, é um meio que permite ir mais além na direção do inteligível; ele nos inspira o desejo de ter sempre o bem; sua ação é uma geração que garante aos mortais a imortalidade que lhes é possível.
Alcibíades, que chega no decorrer do banquete, acompanhado de jovens pândegos, fecha com verve e paixão o diálogo, com um notável elogio a Sócrates e, por meio dele, à filosofia.
A imagem filosófica do amor:
Por mais ricos que sejam os cinco primeiros elogios do amor, em erudição, humor, imagens poéticas ou referências mitológicas, não passam de aproximações insuficientes, que qualificam o amor sem apreender sua natureza. Ao chegar a vez de Sócrates, a filosofia tem a palavra; há de falar-se da natureza do amor.
Eros deseja o que não possui, desejando o belo e o bom, está privado deles. Não poderia, portanto, ser um deus, já que está marcado por essa falta. Contudo, não é mortal. Será, então, um "intermediário" (metaxu) entre um e outro. Sendo meio e mediador entre dois mundos (sensível e inteligível, mortal e imortal), participa dos dois ao mesmo tempo. Mas também é um intermediário entre a ignorância e o saber, e por isso o amor é dito ser filósofo. Não sabe, mas sabe que não sabe. Eros está consciente da sua carência e aspira a preenchê-la, daí parte à conquista do saber, do bem, do belo, da imortalidade.
O mito genealógico:
Quando se trata de falar da genealogia do Amor, Platão abre mão da sua tradicional argumentação dialética, e nos oferece um curto, porém fascinante mito. Isto porque, sem dúvida, o Amor tem um fundo de mistério, e quando este se desvenda não é por demonstração, mas sim por revelação imediata.
Eros é um daimon,algo entre o mortal e o imortal, cuja função é essencialmente a de síntese, uma síntese das caraterísticas herdadas de seus pais. O mito do nascimento do Amornos apresenta Eros filho de Poros, ele mesmo filho de Mátis (Sabedoria, Inteligência prática) e Penia. O nome da mãe (Penia) pode ser traduzido sem dificuldades por pobreza, penúria, escassez, inópia, indigência. Já com o nome do pai (Poros), as coisas não são tão simples assim, há quem o traduza por "abundância", "fartura", "plenitude", "riqueza". Se fosse assim, teríamos o Amor como fruto de dois contrários, pobreza e riqueza, o que não é bem verdade. Poros, melhor traduzido, quer dizer recurso, passagem, abertura, saída. Deste modo Poros é aquele que tem saída para tudo, tem os recursos necessários para resolver os problemas.
Com tal natureza e função, a unidade desse daimon consiste em inspirar nos homens o desejo de possuir o que é belo e o que é bom não apenas momentaneamente, mas sempre. Ninguém ama verdadeiramente se ao mesmo tempo não deseja que seu amor dure para sempre. Eros não é só o amor do que é belo, mas da geração no que é belo. Por ter sido gerado no dia do nascimento de Afrodite, nasce sob o signo da beleza.
Eros herdou de seus pais uma feliz mistura, porém, não estável: mendigo e investigador, inquieto e apaixonado, pobre em bens materiais, mas rico em recursos potenciais, não tem nada, mas quer muito. Tem uma natureza dinâmica, mas instável, um caráter ardente, mas caprichoso, uma engenhosidade inventiva, mas insatisfeita. Está em penúria, mas conhece sua penúria; quer sair de si e aspira por saber, por beleza e por fecundidade.
O mito do nascimento do amor apresenta um Eros numa posição diametralmente oposta às fixadas pelos discursos anteriores. Contra Agatão que ressalta as virtudes do amor, temos fragilidade e instabilidade. Opondo-se a Pausânias, temos apenas um único Eros, porém, com uma unidade complexa e rica em virtualidades. Contra o mito de Aristófanes, Eros é inovador é fecundo, estimula o que ama, incita-o a criar e ir mais além. Abre-se para o inédito, inventa o novo e prolonga-se, a si mesmo, numa criação original.
Tanto no mito de Diotima quanto no de Aristófanes, aparece a idéia da dualidade do homem, conflituoso pelas contradições de sua natureza, dilacerado por suas carências e suas esperanças, pela fragilidade de seu ser e o ardor de suas aspirações. O próprio sentido de filosofia, para Platão, não deixa de ser uma tensão de todo o ser em direção a um objeto que não temos ou que já perdemos por esquecimento. Assim, este "amor pela sabedoria" é primeiro carência, consciência de uma carência, depois a implementação de recursos para suprir essa carência. Contudo, os ensinamentos de Diotima vão muito mais longe do que o mito de Aristófanes. O amor é muito mais do que a tensão de dois seres um face ao outro. O amor é "parto na beleza, de acordo com a alma e o corpo", é fecundo, procriador ou, de maneira mais geral, criador. Para além da hipótese de dois seres presos a um passado perdido, o amor convida à superação, abre-se ao inédito e assegura, mediante a criação, a passagem da mortalidade à imortalidade. A finalidade não é o prazer individual e imediato da beleza, mas sim, a perpetuação da vida por intermédio de um ato criador ao qual assiste a Beleza. A procriação é um atributo divino do animal mortal. Eros é, em última instância, o desejo de imortalidade. O amor, aqui, é uma tensão dinâmica e extrovertida, que estimula, enriquece e eleva o indivíduo que ama. O amor é motor para a transcendência.
Em todos os discursos sobre Eros, aparece a descrição do seu comportamento e dos seus impulsos. Contudo, para Diotima, o alvo dos seus impulsos é aqui, não o prazer superior da amizade masculina, entendida como um clima de virtude e uma condição de educação, nem aquela procura de uma metade perdida, que corrigiria em parte nossa irremediável mutilação, mas simplesmente os belos seres (ta kala).Como será visto mais adiante, belos podem ser os corpos, as almas, as leis, as ciências, etc. Eros amante da beleza, necessariamente terá que amar a sabedoria, bela entre as coisas mais belas, assim o Amor, conclui Diotima, é filósofo.
Dialética erótica:
A segunda parte dos ensinamentos da sacerdotisa Diotimapode ser considerado muito mais um discurso inspirado do que propriamente um mito. É um "mistério", uma revelação que se apresenta à maneira de uma narrativa iniciática. Essa narrativa apresenta três caraterísticas: é contínua; inspirada; e sugestiva e evocadora. Não é um mito mas se move no campo do mito platônico.
Segundo o discurso de Diotima o objeto do amor é o parto na beleza, tanto no corpo como na alma. Além da tensão em direção ao que não se tem, agora aparece um novo elemento: a fecundidade. O amor é fecundo, tanto na procriação ao nível do corpo, quanto ao nível intelectual ou espiritual. O amor é criação, motor para a transcendência. A partir da beleza sensível (deste mundo), vamos subindo degrau por degrau a escada que nos levará até a beleza em si, a beleza absoluta do mundo inteligível.
Quando o amante encontra uma bela alma, esta união amorosa gera não uma criança (paida), mas sim belos discursos (logos), com a finalidade de educar (paideuein). A partir da correspondência dos termos gregos, podemos entender paideuein com o sentido de "fazer uma criança", sendo assim os discursos podem ser considerados como "os filhos do amor espiritual". Com isto, os discursos com o propósito de educar, isto é, de fazer espiritualmente uma criança, são o fruto da geração de um novo ser, ser este que garante ao seu criador uma imortalidade desta vez ao nível espiritual, da alma.
Os graus, ou "degraus" da iniciação à beleza são na realidade três, cada um deles dividido, por sua vez, em dois momentos. Primeiro o amante afeiçoar-se-á a um corpo belo, então fará belos discursos; depois verá que a beleza de um corpo é irmã da beleza de todos os outros, assim, passará a amar todos os corpos belos. O segundo degrau permite passar do amor pelos corpos ao amor pelas almas. O verdadeiro discípulo do Eros afeiçoar-se-á, num primeiro momento, a uma alma em particular, para depois descobrir a beleza moral, a dos atos, que torna belas todas as atividades e comportamentos humanos. Já a terceira etapa, o iniciado passará dos atos às ciências. Aqui, também, num primeiro momento o amor será amor das particularidades das ciências para, em seguida, expandir-se num amor pela ciência ou saber em geral, e enfim alcançar a ciência única, a da Beleza.
Lá subitamente desvenda-se a beleza eterna e única, o Belo em si e por si, contempla-se a verdade nela mesma, a beleza divina nela mesma, na unidade da sua forma. A iniciação tendo sido lenta e gradual, a revelação, no entanto, é súbita e instantânea. Livre da multiplicidade das aparências e da volubilidade das opiniões, sua existência reside inteiramente na sua essência. O amor deixa de ser tensão e tendência em direção àquilo de que ainda estava desprovido. Enfim, terminam após tantas lutas "as dores do parto".
Este é, não só, um momento de êxtase, como também místico: "êxtase" porque o discípulo sai fora de si na contemplação do belo transcendente; e "místico" porque é uma coisa tão oculta, que só se revela ao fim de uma longa iniciação pela qual poucos passam.
O que no Lísis é denominado de Primum Amabile, agora, no Banquete, é apresentado como sendo o Belo em si. Este Belo em si eqüivale à Idéia de Bem, na República, e a ascensão erótica, narrada por Diotima, não é outra coisa do que a fórmula estética da dialética platônica.
Um esquema que bem reproduz esta ascensão erótica, é o apresentado por Geneviève Droz:
Idéia do Belo Amor pela Beleza em si
e por si
Amor pela ciência
Educação intelectual
Amor pelas ciências
Amor pelas belas ações,
pela beleza moral
Educação moral
Amor por uma alma bela
Amor por todos os corpos belos,
pela beleza corporal
Educação estética
Amor por um corpo belo
O elogio à filosofia:
O apaixonado Alcibíades é responsável pelo fechamento do diálogo. Este faz um discurso enamorado e nos apresenta um Sócrates numa posição semelhante a do Eros. Assim como no dia da geração de Eros que Poros estava embriagado,agora no dia do elogio a Sócrates é Alcibíades, o responsável por esse discurso, quem está bêbado; e se todo se passa no dia do banquete em comemoração a Afrodite, agora o banquete é em comemoração a Agatão o mais belo (kalliston).
Sócrates não é belo nem feio, mas sedutor e encantador; é pobre e tem os pés descalços, mas está sempre em busca de enriquecimento interior; é ingênuo, mas engenhoso caçador de verdades. Por sua estranheza e pelo mistério que emana de sua personalidade feita de contrastes é, ele mesmo, uma figura daimônica, mediador e traço de união entre os homens e os deuses. Destarte, a filosofia é amor, o amor é filósofo, e Sócrates é o protótipo acabado dessas duas mediações salvadoras. Sócrates como "a imagem total do Amor". O elogio a Sócrates representa o "coroamento" do Banquete.
CONCLUSÃO
Podemos observar um certo paralelismo entre a alegoria da caverna e o discurso que Sócrates atribui a Diotima de Mantinéia. Na República é descrito o processo de conversão das consciências à luz. Parte-se das sombras até chegar às Idéias. Já no Banquete temos uma "ascese erótica", onde Eros desempenha em relação aos sentimentos e às emoções o mesmo papel de intermediário que as entidades matemáticas representam para a vida intelectual. Eros comanda a subida por via da atração que a beleza dos corpos exerce sobre os sentidos e remete à contemplação da Idéia do Belo, o Belo em si. Esse é o sentido da dialética do desejo que o Banquete analisa no plano do sentimento, e que a República e a Carte VII analisam no plano do conhecimento.
Em Platão encontramos a construção do conhecimento constituído pela união de intelecto e emoção, de razão e vontade: a episteme é o fruto de inteligência e amor. O essencial continua sendo: a Verdade, o Bem e a Beleza, três manifestações diferentes da mesma e única realidade suprema. Enfim compreendemos o ensinamento de Diotima, do próprio Platão, Eros é metaxu: intermediário entre contrários (pobreza/abundância, ignorância/saber); Eros é, também e sobretudo, intermediário entre o humano e o divino, entre o sensível e o inteligível, entre o mortal e o imortal.
Eros é o próprio desejo da imortalidade. Esta é a única imortalidade possível para o homem, tanto pelo corpo, quanto pela alma. No primeiro caso, a imortalidade, se produz pelo nascimento dos filhos, pela sucessão e substituição de um ser idoso por um outro ser juvenil. Entretanto por cima desta produção e desta imortalidade corporal, há as do segundo caso, segundo o espírito. Estas são próprias do homem que ama a beleza da alma, e que trabalha para produzir numa alma bela, que o tem seduzido, os rasgos da virtude e do dever. Desta maneira, o homem perpetua a sabedoria que na sua alma se alojava e assegura um tipo de imortalidade superior à primeira. Este é o homem verdadeiramente virtuoso, o filósofo, o verdadeiramente imortal.
quinta-feira, junho 28, 2007
Pereio estréia programa de entrevistas do Canal Brasil - Xico Sá
"Não há mais, a essa altura, como zelar pela reputação... Agora eu tenho é que zerar minha reputação".
Marlon Brando morreu, mas Paulo César Pereio, 64 anos exageradamente bem vividos, passa muito bem, obrigado.
Um tanto quanto sereno e tomado por uma certa leseira brechtiana --o homem sacaneando o mito cafajeste do ator e da obra--, Pereio estréia, depois de amanhã, o "Sem Frescura", programa de entrevistas do Canal Brasil.
O embate-homenagem com o Brando de "O Último Tango em Paris" é coisa da grande comunidade "pereioística" no Orkut --o novo centro de discussões da internet. Um desnecessário exercício de macheza comparada. Polêmica que o Doutor Ailton, um dos filiados mais ativos da sociedade virtual do ator gaúcho, parece ter liquidado: "Com todo respeito ao M.B., mas o cara nunca foi assim nenhum Pereio", mandou.
Ser um Pereio é não amaciar a língua, é não "amanteigar" jamais as declarações, mesmo na sua fase "Pereiozinho paz & amor", como declara sobre o recreio sossegado que vive. Logo no primeiro "Sem Frescura", sapecou contra as moças de outro televisivo, o "Saia Justa" (do canal GNT).
"Aquele programa de merda que as quatro fazem...", manda ao ar, enquanto tenta lembrar o nome do programa. "Quatro mulheres chatas...", tenta ganhar tempo ainda com a sua falta de jeito para o padrão "talk show". O alvo para valer seria apenas uma das criaturas do quarteto: Marisa Orth.
A atriz havia dito, em uma das edições do "Saia Justa", que Cissa Guimarães, ex-mulher de Pereio, tinha "comido o pão que o diabo amassou" durante o casamento com ele. Declarou também que o ator era viciado em drogas.
"Disse que eu era dependente químico, como se fosse chique delatar um colega de profissão", responde Pereio logo no primeiro "Sem Frescura". Resposta besuntada de algum deboche, mas sem a dicção da ira. Pereio está tranqüilo. Tamanho família.
Na estréia, a convidada é justamente a atriz e ex-mulher Cissa. A direção do programa é da filha Lara Velho, o roteiro é de Neila Tavares, mãe de Lara. A produção é da Macaya, firma também ligada à família, em sociedade com a Globosat. "Logo, logo os parentes vão acabar", avisa o novo apresentador, sacaneando a lista do nepotismo escancarado.
A conversa com Cissa Guimarães é muito cordial e reveladora da grande paixão da mocinha que caiu nas "garras do canalha" ainda na menoridade. Ele caminhava para os 40, ela tinha 17. "Como você se sentia comigo?", indaga a atriz. "Ah, me sentia um pedófilo", responde.
Pereio está tranqüilo, camisa aberta, bermudão, chinelo, animal dos trópicos. O cenário é um jardim, duas cadeiras. O ator coça a perna em algumas ocasiões. Não se trata de um tique à moda Actor's Studio, nada das invencionices de Brando. Apenas a falta de jeito para a nova atividade.
"Virou cult", diz Cissa, a ex-mulher que teria comido o pão que o diabo amassou. "Comi outras coisas mais gostosas", agora quem responde é a própria ex-mulher. Pereio mordisca o lábio, sem a delicadeza dos trejeitos de Brando.
Por causa de falta de pagamento de pensão alimentícia, a ex-mulher levou o ex-marido à prisão, no início dos 90. De tão batido, o tema não foi tocado na entrevista. Falaram muito dos dois filhos que tiveram, João e Tomás, meninos de 20 e poucos anos. "Pelo menos não tem nenhum veado", diz no programa de estréia, mais uma vez rindo da imagem de "cafa" que colou à sua biografia.
Pereio não é cult e celebrado por acaso. São peças a perder a conta, como diz, e 60 filmes. O seu "porra" é um clássico de final de frase nos diálogos. Na sua comunidade no Orkut, os admiradores também falam assim. A cada final de período, tacam lá a velha exclamação, "porra!".
A vida e obra de Pereio vai virar um documentário, já em fase adiantada de produção, chamado "Pereio Eu te Odeio", dirigido por Allan Sieber, autor de quadrinhos, cartunista e animador. É também de Sieber a abertura de "Sem Frescura", uma animação carregada de testosterona.
Por ter construído --à revelia ou não-- uma carreira em tons malditos, Pereio, aparentemente mais sossegado, agora se vê diante de uma pergunta provocativa feita tanto por quem o ama como por quem o odeia: seria hoje um careta?
Embora tenha largado um pouco o caminho do excesso, aquele que, segundo o poeta William Blake, conduz ao palácio da sabedoria, o ator se diz mais calmo, menos desleixado com a saúde, mas com a mesma tormenta interior. Cissa Guimarães provoca, familiar: "O Pereio está careta, ele não falta mais", diz, referindo-se a algumas confusões que envolveram diretores de teatro e cinema e o ex-marido.
Como disse o próprio ator outro dia, em uma mesa do Jobi, botequim da boemia do Baixo Leblon, é hora do grau zero da sua imagem: "Não há mais, a essa altura, como zelar pela reputação... Agora eu tenho é que zerar minha reputação".
Um tanto quanto sereno e tomado por uma certa leseira brechtiana --o homem sacaneando o mito cafajeste do ator e da obra--, Pereio estréia, depois de amanhã, o "Sem Frescura", programa de entrevistas do Canal Brasil.
O embate-homenagem com o Brando de "O Último Tango em Paris" é coisa da grande comunidade "pereioística" no Orkut --o novo centro de discussões da internet. Um desnecessário exercício de macheza comparada. Polêmica que o Doutor Ailton, um dos filiados mais ativos da sociedade virtual do ator gaúcho, parece ter liquidado: "Com todo respeito ao M.B., mas o cara nunca foi assim nenhum Pereio", mandou.
Ser um Pereio é não amaciar a língua, é não "amanteigar" jamais as declarações, mesmo na sua fase "Pereiozinho paz & amor", como declara sobre o recreio sossegado que vive. Logo no primeiro "Sem Frescura", sapecou contra as moças de outro televisivo, o "Saia Justa" (do canal GNT).
"Aquele programa de merda que as quatro fazem...", manda ao ar, enquanto tenta lembrar o nome do programa. "Quatro mulheres chatas...", tenta ganhar tempo ainda com a sua falta de jeito para o padrão "talk show". O alvo para valer seria apenas uma das criaturas do quarteto: Marisa Orth.
A atriz havia dito, em uma das edições do "Saia Justa", que Cissa Guimarães, ex-mulher de Pereio, tinha "comido o pão que o diabo amassou" durante o casamento com ele. Declarou também que o ator era viciado em drogas.
"Disse que eu era dependente químico, como se fosse chique delatar um colega de profissão", responde Pereio logo no primeiro "Sem Frescura". Resposta besuntada de algum deboche, mas sem a dicção da ira. Pereio está tranqüilo. Tamanho família.
Na estréia, a convidada é justamente a atriz e ex-mulher Cissa. A direção do programa é da filha Lara Velho, o roteiro é de Neila Tavares, mãe de Lara. A produção é da Macaya, firma também ligada à família, em sociedade com a Globosat. "Logo, logo os parentes vão acabar", avisa o novo apresentador, sacaneando a lista do nepotismo escancarado.
A conversa com Cissa Guimarães é muito cordial e reveladora da grande paixão da mocinha que caiu nas "garras do canalha" ainda na menoridade. Ele caminhava para os 40, ela tinha 17. "Como você se sentia comigo?", indaga a atriz. "Ah, me sentia um pedófilo", responde.
Pereio está tranqüilo, camisa aberta, bermudão, chinelo, animal dos trópicos. O cenário é um jardim, duas cadeiras. O ator coça a perna em algumas ocasiões. Não se trata de um tique à moda Actor's Studio, nada das invencionices de Brando. Apenas a falta de jeito para a nova atividade.
"Virou cult", diz Cissa, a ex-mulher que teria comido o pão que o diabo amassou. "Comi outras coisas mais gostosas", agora quem responde é a própria ex-mulher. Pereio mordisca o lábio, sem a delicadeza dos trejeitos de Brando.
Por causa de falta de pagamento de pensão alimentícia, a ex-mulher levou o ex-marido à prisão, no início dos 90. De tão batido, o tema não foi tocado na entrevista. Falaram muito dos dois filhos que tiveram, João e Tomás, meninos de 20 e poucos anos. "Pelo menos não tem nenhum veado", diz no programa de estréia, mais uma vez rindo da imagem de "cafa" que colou à sua biografia.
Pereio não é cult e celebrado por acaso. São peças a perder a conta, como diz, e 60 filmes. O seu "porra" é um clássico de final de frase nos diálogos. Na sua comunidade no Orkut, os admiradores também falam assim. A cada final de período, tacam lá a velha exclamação, "porra!".
A vida e obra de Pereio vai virar um documentário, já em fase adiantada de produção, chamado "Pereio Eu te Odeio", dirigido por Allan Sieber, autor de quadrinhos, cartunista e animador. É também de Sieber a abertura de "Sem Frescura", uma animação carregada de testosterona.
Por ter construído --à revelia ou não-- uma carreira em tons malditos, Pereio, aparentemente mais sossegado, agora se vê diante de uma pergunta provocativa feita tanto por quem o ama como por quem o odeia: seria hoje um careta?
Embora tenha largado um pouco o caminho do excesso, aquele que, segundo o poeta William Blake, conduz ao palácio da sabedoria, o ator se diz mais calmo, menos desleixado com a saúde, mas com a mesma tormenta interior. Cissa Guimarães provoca, familiar: "O Pereio está careta, ele não falta mais", diz, referindo-se a algumas confusões que envolveram diretores de teatro e cinema e o ex-marido.
Como disse o próprio ator outro dia, em uma mesa do Jobi, botequim da boemia do Baixo Leblon, é hora do grau zero da sua imagem: "Não há mais, a essa altura, como zelar pela reputação... Agora eu tenho é que zerar minha reputação".
Entrevista na playboy:
Perfect Day - Lou Reed
Just a perfect day
drink sangria in the park
And then later when it gets dark
we go home
Just a perfect day
feed animals in the zoo
Then later a movie too
and then home
Oh, it's such a perfect day
I'm glad I spent it with you
Oh, such a perfect day
You just keep me hanging on
you just keep me hanging on
Just a perfect day
problems all left alone
Weekenders on our own
it's such fun
Just a perfect day
you made me forget myself
I thought I was someone else
someone good
Oh, it's such a perfect day
I'm glad I spent it with you
Oh, such a perfect day
You just keep me hanging on
you just keep me hanging on
You're going to reap just what you sow
You're going to reap just what you sow
You're going to reap just what you sow
You're going to reap just what you sow
(tradução)
drink sangria in the park
And then later when it gets dark
we go home
Just a perfect day
feed animals in the zoo
Then later a movie too
and then home
Oh, it's such a perfect day
I'm glad I spent it with you
Oh, such a perfect day
You just keep me hanging on
you just keep me hanging on
Just a perfect day
problems all left alone
Weekenders on our own
it's such fun
Just a perfect day
you made me forget myself
I thought I was someone else
someone good
Oh, it's such a perfect day
I'm glad I spent it with you
Oh, such a perfect day
You just keep me hanging on
you just keep me hanging on
You're going to reap just what you sow
You're going to reap just what you sow
You're going to reap just what you sow
You're going to reap just what you sow
(tradução)
Quando Vier A Primavera - Alberto Caeiro (F.P.)
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
quarta-feira, junho 27, 2007
Esta Vida - Guilherme de Almeida
Um sábio me dizia: esta existência,
não vale a angústia de viver. A ciência,
se fôssemos eternos, num transporte
de desespero inventaria a morte.
Uma célula orgânica aparece
no infinito do tempo. E vibra e cresce
e se desdobra e estala num segundo.
Homem, eis o que somos neste mundo.
não vale a angústia de viver. A ciência,
se fôssemos eternos, num transporte
de desespero inventaria a morte.
Uma célula orgânica aparece
no infinito do tempo. E vibra e cresce
e se desdobra e estala num segundo.
Homem, eis o que somos neste mundo.
Assim falou-me o sábio e eu comecei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.
Um monge me dizia: ó mocidade,
és relâmpago ao pé da eternidade!
Pensa: o tempo anda sempre e não repousa;
esta vida não vale grande coisa.
Uma mulher que chora, um berço a um canto;
o riso, às vezes, quase sempre, um pranto.
Depois o mundo, a luta que intimida,
quadro círios acesos : eis a vida
és relâmpago ao pé da eternidade!
Pensa: o tempo anda sempre e não repousa;
esta vida não vale grande coisa.
Uma mulher que chora, um berço a um canto;
o riso, às vezes, quase sempre, um pranto.
Depois o mundo, a luta que intimida,
quadro círios acesos : eis a vida
Isto me disse o monge e eu continuei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.
Um pobre me dizia: para o pobre
a vida, é o pão e o andrajo vil que o cobre.
Deus, eu não creio nesta fantasia.
Deus me deu fome e sede a cada dia
mas nunca me deu pão, nem me deu água.
Deu-me a vergonha, a infâmia, a mágoa
de andar de porta em porta, esfarrapado.
Deu-me esta vida: um pão envenenado
a vida, é o pão e o andrajo vil que o cobre.
Deus, eu não creio nesta fantasia.
Deus me deu fome e sede a cada dia
mas nunca me deu pão, nem me deu água.
Deu-me a vergonha, a infâmia, a mágoa
de andar de porta em porta, esfarrapado.
Deu-me esta vida: um pão envenenado
.
Assim falou-me o pobre e eu continuei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.
Assim falou-me o pobre e eu continuei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.
Uma mulher me disse: vem comigo!
Fecha os olhos e sonha, meu amigo.
Sonha um lar, uma doce companheira
que queiras muito e que também te queira.
No telhado, um penacho de fumaça.
Cortinas muito brancas na vidraça
Um canário que canta na gaiola.
Que linda a vida lá por dentro rola!
Fecha os olhos e sonha, meu amigo.
Sonha um lar, uma doce companheira
que queiras muito e que também te queira.
No telhado, um penacho de fumaça.
Cortinas muito brancas na vidraça
Um canário que canta na gaiola.
Que linda a vida lá por dentro rola!
terça-feira, junho 26, 2007
Motel - Luiz Fernando Veríssimo
Mirtes não se agüentou e contou para a Lurdes:
- Viram teu marido entrando num motel.
A Lurdes abriu a boca e arregalou os olhos.
ficou assim, uma estátua de espanto,durante um minuto, um minuto e meio. Depois pediu detalhes.
- Quando? Onde? Com quem?
- Ontem. No Discretíssimu's.
- Com quem? Com quem?
- Isso eu não sei.
- Mas como? Era alta? Magra? Loira? Puxava de uma perna?
- Não sei, Lu.
- Carlos Alberto me paga. Ah, me paga.
Quando o Carlos Alberto chegou em casa a Lurdes anunciou que iria deixá-lo e contou por quê.
- Mas que história é essa, Lurdes? Você sabe quem era a mulher que estava comigo no motel.
- Era você!
- Pois é. Maldita hora em que eu aceitei ir.
- Discretíssimu's! Toda a cidade ficou sabendo. Ainda bem que não me identificaram.
- Pois então?
- Pois então, que eu tenho que deixar você. Não vê? É o que todas as minha amigas esperam que eu faça.
Não sou mulher de ser enganada pelo marido e não reagir.
-Mas você não foi enganada. Quem estava comigo era você!
-Mas elas não sabem disso!
- Eu não acredito, Lurdes! Você vai desmanchar nosso casamento por isso? Por uma convenção?
- Vou!
Mais tarde, quando a Lurdes estava saindo de casa, com as malas,o Carlos Alberto a interceptou. Estava sombrio:
- Acabo de receber um telefonema - disse.
- Era o Dico.
- O que ele queria?
-Fez mil rodeios, mas acabou me contando. Disse que, como meu amigo, tinha que contar.
- O quê?
- Você foi vista saindo do motel Discretíssimu's ontem, com um homem.
- O homem era você!
- Eu sei, mas eu não fui identificado.
- Você não disse que era você?
- O que? Para que os meus amigos pensem que eu vou a motel com a minha própria mulher?
- E então?
O quê???
- Vou ter que te dar uma surra...
CONCLUSÃO:
DEVEMOS CUIDAR APENAS DA NOSSA SAÚDE, POIS DA NOSSA VIDA, TODO MUNDO CUIDA...
- Viram teu marido entrando num motel.
A Lurdes abriu a boca e arregalou os olhos.
ficou assim, uma estátua de espanto,durante um minuto, um minuto e meio. Depois pediu detalhes.
- Quando? Onde? Com quem?
- Ontem. No Discretíssimu's.
- Com quem? Com quem?
- Isso eu não sei.
- Mas como? Era alta? Magra? Loira? Puxava de uma perna?
- Não sei, Lu.
- Carlos Alberto me paga. Ah, me paga.
Quando o Carlos Alberto chegou em casa a Lurdes anunciou que iria deixá-lo e contou por quê.
- Mas que história é essa, Lurdes? Você sabe quem era a mulher que estava comigo no motel.
- Era você!
- Pois é. Maldita hora em que eu aceitei ir.
- Discretíssimu's! Toda a cidade ficou sabendo. Ainda bem que não me identificaram.
- Pois então?
- Pois então, que eu tenho que deixar você. Não vê? É o que todas as minha amigas esperam que eu faça.
Não sou mulher de ser enganada pelo marido e não reagir.
-Mas você não foi enganada. Quem estava comigo era você!
-Mas elas não sabem disso!
- Eu não acredito, Lurdes! Você vai desmanchar nosso casamento por isso? Por uma convenção?
- Vou!
Mais tarde, quando a Lurdes estava saindo de casa, com as malas,o Carlos Alberto a interceptou. Estava sombrio:
- Acabo de receber um telefonema - disse.
- Era o Dico.
- O que ele queria?
-Fez mil rodeios, mas acabou me contando. Disse que, como meu amigo, tinha que contar.
- O quê?
- Você foi vista saindo do motel Discretíssimu's ontem, com um homem.
- O homem era você!
- Eu sei, mas eu não fui identificado.
- Você não disse que era você?
- O que? Para que os meus amigos pensem que eu vou a motel com a minha própria mulher?
- E então?
O quê???
- Vou ter que te dar uma surra...
CONCLUSÃO:
DEVEMOS CUIDAR APENAS DA NOSSA SAÚDE, POIS DA NOSSA VIDA, TODO MUNDO CUIDA...
Felicidade Realista - Mário Quintana
A princípio, bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote
louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos.
Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser
magérrimos, sarados, irresistíveis.
Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema:
queremos a piscina olímpica e uma temporada num spa cinco estrelas.
E quanto ao amor? Ah, o amor... não basta termos alguém com quem podemos
conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar
pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente
apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes
inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos
sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito.
É o que dá ver tanta televisão.
Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista.
Ter um parceiro constante, pode ou não, ser sinônimo de felicidade. Você
pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com um
parceiro, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente
quando se trata de amor-próprio.
Dinheiro é uma benção. Quem tem, precisa aproveitá-lo, gastá-lo,
usufruí-lo. Não perder tempo juntando, juntando, juntando. Apenas o
suficiente para se sentir seguro, mas não aprisionado E se a gente tem
pouco, é com este pouco que vai tentar segurar a onda, buscando coisas que
saiam de graça, como um pouco de humor, um pouco de fé e um pouco de
criatividade.
Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável.
Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o
estrelato, amar sem almejar o eterno. Olhe para o relógio: hora de acordar.
É importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza,
instiga e conduz mas sem exigir-se desumanamente.
A vida não é um jogo onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio.
Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está
alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se.
Invente seu próprio jogo. Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não
se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la
e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade. Ela transmite paz e
não sentimentos fortes, que nos atormenta e provoca inquietude no nosso
coração. Isso pode ser alegria, paixão, entusiasmo, mas não felicidade.
louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos.
Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser
magérrimos, sarados, irresistíveis.
Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema:
queremos a piscina olímpica e uma temporada num spa cinco estrelas.
E quanto ao amor? Ah, o amor... não basta termos alguém com quem podemos
conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar
pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente
apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes
inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos
sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito.
É o que dá ver tanta televisão.
Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista.
Ter um parceiro constante, pode ou não, ser sinônimo de felicidade. Você
pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com um
parceiro, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente
quando se trata de amor-próprio.
Dinheiro é uma benção. Quem tem, precisa aproveitá-lo, gastá-lo,
usufruí-lo. Não perder tempo juntando, juntando, juntando. Apenas o
suficiente para se sentir seguro, mas não aprisionado E se a gente tem
pouco, é com este pouco que vai tentar segurar a onda, buscando coisas que
saiam de graça, como um pouco de humor, um pouco de fé e um pouco de
criatividade.
Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável.
Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o
estrelato, amar sem almejar o eterno. Olhe para o relógio: hora de acordar.
É importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza,
instiga e conduz mas sem exigir-se desumanamente.
A vida não é um jogo onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio.
Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está
alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se.
Invente seu próprio jogo. Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não
se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la
e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade. Ela transmite paz e
não sentimentos fortes, que nos atormenta e provoca inquietude no nosso
coração. Isso pode ser alegria, paixão, entusiasmo, mas não felicidade.
terça-feira, abril 17, 2007
Crônica existencialista - Airton Monte
Tarde calma, vento quieto, mar aberto, céu tão claro. Você diamante raro ardendo nas luminosas horas antes que eu mergulhe na profundez das trevas. Ninguém tem culpa de nascer poeta, nem mesmo os maus poetas que são como daninhas ervas a proliferar em meio aos líricos desertos. Você tão jovem e eu tão velho, vendo de bobeira o tempo se escoar feito mijo no ralo do banheiro e eu, nem que nem, como se tudo que acontece a meu redor nada houvesse a ver comigo, como se eu fosse alguém à parte, um simples destroço de não sei que vão naufrágio. Talvez você me amasse com toda sofreguidão possível num inimaginável frenesi e juvenil furor de felina.
E eu, nem que nem, enfiado até o talo no cerne do mundo, no ventre de todas as mulheres que jamais possuí por incúria, crueldade e preguiça. Ah, eu sou em verdade em belo tolo, porém meus olhos reluzem como punhais no breu e eu, capitão de breve curso, vou em meio ao nevoeiro ouvindo um samba triste de Paulinho da Viola, a levar meu boêmio barco devagar. Noite dessas, a chuva grossa dedilhando um blues no meu telhado, eu sonhei morrendo e era uma morte de tal maneira delicada pois me deu a nobre graça de morrer de repente e súbito, morri, sem nenhuma dor como se apenas houvesse adormecido após um báquico porre de existência.
E muito naturalmente, subi aos infernos e vi que estava, afinal, no lugar certo para restar numa infinita atemporalidade. O que importa se acordei de um bendito pesadelo, se o inferno nada mais é que a realidade nua e crua feito um naco sangrento de um rosbife e um longo, abençoado gole de esquecimento. Eu insisto em ser eu mesmo, único e indevassável dentro de mim mesmo como num verso maldito do meu pai, poeta, áspero irmão José Alcides Pinto, a mais doce e humana encarnação da Besta. É-me impossível abdicar de ser eu mesmo. Eu, Eu, Eu gravado em inscrições escritas com o sangue dos meus antepassados.
Negras nuvens prenhes de chuva pairam sobre o fim de tarde de um domingo pleno de agonizantes prazeres e promessas. Teus olhos de Sulamita refulgem de uma claridade ainda não desperta e permitida, sarça ardente. Em mim, porém, nenhuma gota de vento solar, é só uma imensa, oceânica sensação de que ainda estou fremente feito a incandescência final da cauda de um cometa extinto. E eu estou no mundo qual um personagem de Sartre e eu, nem que nem, mergulhado no caldeirão da vida. E eu, nem que nem, animal forjado no miserável cotidiano. Um dia hei que despertar do pesadelo gritando: que coisa mais bela é a vida.
E eu, nem que nem, enfiado até o talo no cerne do mundo, no ventre de todas as mulheres que jamais possuí por incúria, crueldade e preguiça. Ah, eu sou em verdade em belo tolo, porém meus olhos reluzem como punhais no breu e eu, capitão de breve curso, vou em meio ao nevoeiro ouvindo um samba triste de Paulinho da Viola, a levar meu boêmio barco devagar. Noite dessas, a chuva grossa dedilhando um blues no meu telhado, eu sonhei morrendo e era uma morte de tal maneira delicada pois me deu a nobre graça de morrer de repente e súbito, morri, sem nenhuma dor como se apenas houvesse adormecido após um báquico porre de existência.
E muito naturalmente, subi aos infernos e vi que estava, afinal, no lugar certo para restar numa infinita atemporalidade. O que importa se acordei de um bendito pesadelo, se o inferno nada mais é que a realidade nua e crua feito um naco sangrento de um rosbife e um longo, abençoado gole de esquecimento. Eu insisto em ser eu mesmo, único e indevassável dentro de mim mesmo como num verso maldito do meu pai, poeta, áspero irmão José Alcides Pinto, a mais doce e humana encarnação da Besta. É-me impossível abdicar de ser eu mesmo. Eu, Eu, Eu gravado em inscrições escritas com o sangue dos meus antepassados.
Negras nuvens prenhes de chuva pairam sobre o fim de tarde de um domingo pleno de agonizantes prazeres e promessas. Teus olhos de Sulamita refulgem de uma claridade ainda não desperta e permitida, sarça ardente. Em mim, porém, nenhuma gota de vento solar, é só uma imensa, oceânica sensação de que ainda estou fremente feito a incandescência final da cauda de um cometa extinto. E eu estou no mundo qual um personagem de Sartre e eu, nem que nem, mergulhado no caldeirão da vida. E eu, nem que nem, animal forjado no miserável cotidiano. Um dia hei que despertar do pesadelo gritando: que coisa mais bela é a vida.
Bukowski
A morte medíocre do Capitão Gancho e o casal pirata - Rodolfo Viana
- Smee, assuma a proa – ordenou o desairoso James Hook, tão imperativo quanto aqueles bigodes apontando para o céu, e foi à outra ponta do convés resmungando que “aquelas lulas não caíram bem”. Precisava se aliviar.
O adiposo Smee não deu ouvidos ao pedido. Continuou fazendo o que sempre fazia – nada. Irritado com a omissão do companheiro corsário, Starkey, homem de confiança do capitão, assumiu o posto.
- Isso, seu saliente – disse Smee, irritado – Puxa mesmo o saco do capitão.
- Tenho que manter os negócios da família, oras! Ainda mais agora que o capitão pensa em largar essa vida de pilhagem...
- Ah, você só está nesse barco por puro nepotismo...
Starkey rezingou um “humpf”.
Silêncio.
- O que seu tio, nosso glorioso capitão, vai fazer quando deixar essa vida? Vai ser goleiro do Íbis? – disse Smee, rindo todo o sarcasmo dos sete mares. Sabia que falar da deficiência física do capitão era inundar de ira o coração de Starkey.
- Seu puto! – berrou em resposta – Ainda te mato!
- Ah, convenhamos... O que um homem com um gancho no lugar da mão direita pode fazer? Se ainda fosse canhoto...
Starkey se recompôs. Era um pirata de bons modos, afinal. Efeminado, inclusive.
- Não vou tolerar esse tipo de agressão, ainda mais levando em conta que meu tio é ventríloquo. Sabia disso? Sabia que nas horas vagas, entre uma fuga de crocodilo e uma briga com crianças, ele pratica ventriloquia?
Silêncio novamente. E então, uma crise de riso do tamanho do oceano irrompeu a mudez.
- Seu tio? Ventríloquo? Com aquele gancho? – dizia Smee, entre golfadas de ar.
- Pois é um excelente ventríloquo. Amador ainda, mas excepcional – disse Starkey, a polidez em pessoa, e profetizou um “vai ter um futuro brilhante”.
Não teve.
Enquanto se aliviava na ponta do convés, assoviava, como de costume, La vie em rose. Por isso, o Capitão Gancho não ouviu o tique-taque do crocodilo e foi devorado impiedosamente.
Smee ainda viu quando o crocodilo regurgitou o gancho, mas achou que não fosse nada. E no mais, os “negócios de família” ficariam para Starkey, que parecia nutrir um certo desejo proibido pelo adiposo Smee.
Quando Starkey apercebeu-se da morte do tio, chorou o choro de novela mexicana. Mas Smee estava ali para consolá-lo. E desde então, Smee e Starkey vivem juntos. Pensam em adotar uma criança da Terra do Nunca. Ou isso, ou comprar um poodle toy.
link: http://www.revistapiaui.com.br/2007/abr/concurso_vencedor.htm
O adiposo Smee não deu ouvidos ao pedido. Continuou fazendo o que sempre fazia – nada. Irritado com a omissão do companheiro corsário, Starkey, homem de confiança do capitão, assumiu o posto.
- Isso, seu saliente – disse Smee, irritado – Puxa mesmo o saco do capitão.
- Tenho que manter os negócios da família, oras! Ainda mais agora que o capitão pensa em largar essa vida de pilhagem...
- Ah, você só está nesse barco por puro nepotismo...
Starkey rezingou um “humpf”.
Silêncio.
- O que seu tio, nosso glorioso capitão, vai fazer quando deixar essa vida? Vai ser goleiro do Íbis? – disse Smee, rindo todo o sarcasmo dos sete mares. Sabia que falar da deficiência física do capitão era inundar de ira o coração de Starkey.
- Seu puto! – berrou em resposta – Ainda te mato!
- Ah, convenhamos... O que um homem com um gancho no lugar da mão direita pode fazer? Se ainda fosse canhoto...
Starkey se recompôs. Era um pirata de bons modos, afinal. Efeminado, inclusive.
- Não vou tolerar esse tipo de agressão, ainda mais levando em conta que meu tio é ventríloquo. Sabia disso? Sabia que nas horas vagas, entre uma fuga de crocodilo e uma briga com crianças, ele pratica ventriloquia?
Silêncio novamente. E então, uma crise de riso do tamanho do oceano irrompeu a mudez.
- Seu tio? Ventríloquo? Com aquele gancho? – dizia Smee, entre golfadas de ar.
- Pois é um excelente ventríloquo. Amador ainda, mas excepcional – disse Starkey, a polidez em pessoa, e profetizou um “vai ter um futuro brilhante”.
Não teve.
Enquanto se aliviava na ponta do convés, assoviava, como de costume, La vie em rose. Por isso, o Capitão Gancho não ouviu o tique-taque do crocodilo e foi devorado impiedosamente.
Smee ainda viu quando o crocodilo regurgitou o gancho, mas achou que não fosse nada. E no mais, os “negócios de família” ficariam para Starkey, que parecia nutrir um certo desejo proibido pelo adiposo Smee.
Quando Starkey apercebeu-se da morte do tio, chorou o choro de novela mexicana. Mas Smee estava ali para consolá-lo. E desde então, Smee e Starkey vivem juntos. Pensam em adotar uma criança da Terra do Nunca. Ou isso, ou comprar um poodle toy.
link: http://www.revistapiaui.com.br/2007/abr/concurso_vencedor.htm
O futuro chegou - Silvia Curiati
Sempre me lembro do dia em que, com 7 aninhos de idade, minha amiguinha Vanessa e eu fizemos apostas de quando começaríamos a usar caneta para escrever nos cadernos Caderflex da escola. Em seguida, falamos do futuro mais distante. Fizemos as contas e chegamos à conclusão de que no ano 2000 deveríamos estar casadas, depois de ter passado o Reveillon do milênio no Rio de Janeiro. Talvez, um ou dois anos antes, teríamos feito uma super viagem de carro pelo mundo. E tais carros voariam, claro.
O futuro me decepcionou um pouco, confesso. Esperava realmente ver carros voadores, tele-transporte, gente ficando invisível e quadros como os de Daniel Azulay, que se revelam à pincelada do artista. Esperava ter feito a viagem de carro alado pelo mundo, mas por outro lado, fico feliz por não estar casada, com filhos, etc. e tal.
Por estas e outras, é complicado falar do futuro da humanidade quando cada vez mais somos surpreendidos por aberrações. Transgênicos, clones, malucos, mulheres sendo inseminadas por girinos, homens-mutantes que se transformam em répteis. É impossível saber o que vem depois, é difícil imaginar o que nos espera. Diziam que não teríamos mais água suficiente para suportar a superpopulação, por exemplo. E que os ETs estariam entre nós, as baratas seriam superdesenvolvidas e imortais, e quiçá transformariam-se em escritores de renome.
É fato, há ETs entre nós e as baratas estão cada dia mais cascudas e difíceis de morrer. E na boa, com esta expectativa, a humanidade está perdida mesmo, como já dizia minha vovó...
O futuro me decepcionou um pouco, confesso. Esperava realmente ver carros voadores, tele-transporte, gente ficando invisível e quadros como os de Daniel Azulay, que se revelam à pincelada do artista. Esperava ter feito a viagem de carro alado pelo mundo, mas por outro lado, fico feliz por não estar casada, com filhos, etc. e tal.
Por estas e outras, é complicado falar do futuro da humanidade quando cada vez mais somos surpreendidos por aberrações. Transgênicos, clones, malucos, mulheres sendo inseminadas por girinos, homens-mutantes que se transformam em répteis. É impossível saber o que vem depois, é difícil imaginar o que nos espera. Diziam que não teríamos mais água suficiente para suportar a superpopulação, por exemplo. E que os ETs estariam entre nós, as baratas seriam superdesenvolvidas e imortais, e quiçá transformariam-se em escritores de renome.
É fato, há ETs entre nós e as baratas estão cada dia mais cascudas e difíceis de morrer. E na boa, com esta expectativa, a humanidade está perdida mesmo, como já dizia minha vovó...
quinta-feira, março 29, 2007
Os presentes de Alice - Cláudio Parreira
Alice. Mulherão essa Alice. E vivia querendo coisas:
- Compra um apartamento pra mim, bem?
Eu comprava. Porque ela, sorrindo, isso não tinha preço.
Alice era dada a excentricidades. Poucas, mas ainda assim:
- Compra a lua pra mim, bem?
Eu comprava. E colocava um punhado de estrelas no papel de presente.
Vez ou outra ela emburrava. Não de ficar burra, que ela nunca foi assim, mas emburrar de entristecer, vocês me entendem. Eu fazia caretas, alugava elefantes, tudo pra ela melhorar. Mas ela só melhorava daquele jeito:
- Compra o charme da Gisele Bündchen pra mim?
Eu comprava. Um exagero, concordo, Alice era charmosa o suficiente, mas fazer o quê?
* * *
Alice também era uma mulher de muito bom gosto. Sabia apreciar as coisas boas da vida, as belas coisas:
- Compra um Picasso, um Van Gogh e um Warhol pra mim, bem?
Eclética, como vocês puderam perceber. E eu, é claro, comprava.
* * *
Um dia Alice foi ao cinema e viu uma sereia no filme. Voltou da sessão radiante. E pediu:
- Eu quero uma sereia, bem!
Parti no dia seguinte numa expedição em busca da tal sereia. Fui encontrá-la 30 dias depois no mar gelado da Finlândia.
Quando entreguei o presente a Alice, ela desatou a chorar. Eu perguntei:
- Não é a sereia que você quer?
- É a sereia que eu queria - ela disse. - Mas agora não quero mais.
- O que é que você quer agora?
Alice enxugou as lágrimas e um sorriso brotou no seu rostinho lindo:
- Agora eu quero uma caravela, bem! Uma caravelinha!
Uma caravelinha. Como as caravelas deixaram de ser fabricadas há muito tempo, mandei fazer. Ficou uma beleza. Mas Alice só desembrulhou o presente. Havia um brilho estranho em seus olhos.
- E agora, o que é que você quer? - eu perguntei. - Pede.
- Eu não quero nada, bem. Não quero nada.
* * *
Mas a quietude durou pouco. Logo Alice estava pedindo de novo. E eu, pronto a atender. Quer dizer, mais ou menos.
- Bem, diz que me ama!
Esquisitice. Bem típico de uma mulher como ela. Não que o seu pedido fosse caro demais, longe disso. Não iria me custar um tostão. Mas eu senti que precisava manter a integridade:
- Mas Alice, eu já disse que não sou mitômano!
- Mitômano?
- É.
Ela me olhou com aquele olhar inteligente que só ela tem. E pediu:
- Me compra um dicionário, bem?
***
Depois disso Alice passou quatro anos deprimida, largadona, engordando no sofá francês do século XIX. Sem pedir nada.
Até que, numa bela manhã de carnaval, ela se levantou, emagreceu e pediu:
- Bem, eu quero amor!
Eu caminhei em direção a ela, dei-lhe um demorado beijo na testa e saí para a rua. Não voltei nunca mais. Seria muito doloroso explicar que tem coisas que o dinheiro não compra.
link: http://www.revistapiaui.com.br/2007/mar/concurso_vencedor.htm
- Compra um apartamento pra mim, bem?
Eu comprava. Porque ela, sorrindo, isso não tinha preço.
Alice era dada a excentricidades. Poucas, mas ainda assim:
- Compra a lua pra mim, bem?
Eu comprava. E colocava um punhado de estrelas no papel de presente.
Vez ou outra ela emburrava. Não de ficar burra, que ela nunca foi assim, mas emburrar de entristecer, vocês me entendem. Eu fazia caretas, alugava elefantes, tudo pra ela melhorar. Mas ela só melhorava daquele jeito:
- Compra o charme da Gisele Bündchen pra mim?
Eu comprava. Um exagero, concordo, Alice era charmosa o suficiente, mas fazer o quê?
* * *
Alice também era uma mulher de muito bom gosto. Sabia apreciar as coisas boas da vida, as belas coisas:
- Compra um Picasso, um Van Gogh e um Warhol pra mim, bem?
Eclética, como vocês puderam perceber. E eu, é claro, comprava.
* * *
Um dia Alice foi ao cinema e viu uma sereia no filme. Voltou da sessão radiante. E pediu:
- Eu quero uma sereia, bem!
Parti no dia seguinte numa expedição em busca da tal sereia. Fui encontrá-la 30 dias depois no mar gelado da Finlândia.
Quando entreguei o presente a Alice, ela desatou a chorar. Eu perguntei:
- Não é a sereia que você quer?
- É a sereia que eu queria - ela disse. - Mas agora não quero mais.
- O que é que você quer agora?
Alice enxugou as lágrimas e um sorriso brotou no seu rostinho lindo:
- Agora eu quero uma caravela, bem! Uma caravelinha!
Uma caravelinha. Como as caravelas deixaram de ser fabricadas há muito tempo, mandei fazer. Ficou uma beleza. Mas Alice só desembrulhou o presente. Havia um brilho estranho em seus olhos.
- E agora, o que é que você quer? - eu perguntei. - Pede.
- Eu não quero nada, bem. Não quero nada.
* * *
Mas a quietude durou pouco. Logo Alice estava pedindo de novo. E eu, pronto a atender. Quer dizer, mais ou menos.
- Bem, diz que me ama!
Esquisitice. Bem típico de uma mulher como ela. Não que o seu pedido fosse caro demais, longe disso. Não iria me custar um tostão. Mas eu senti que precisava manter a integridade:
- Mas Alice, eu já disse que não sou mitômano!
- Mitômano?
- É.
Ela me olhou com aquele olhar inteligente que só ela tem. E pediu:
- Me compra um dicionário, bem?
***
Depois disso Alice passou quatro anos deprimida, largadona, engordando no sofá francês do século XIX. Sem pedir nada.
Até que, numa bela manhã de carnaval, ela se levantou, emagreceu e pediu:
- Bem, eu quero amor!
Eu caminhei em direção a ela, dei-lhe um demorado beijo na testa e saí para a rua. Não voltei nunca mais. Seria muito doloroso explicar que tem coisas que o dinheiro não compra.
link: http://www.revistapiaui.com.br/2007/mar/concurso_vencedor.htm
Os falsos mendigos - Airton Monte
Não sei, na verdade não tenho a menor idéia se as demais pessoas vêm observando, em nosso perverso cenário citadino, um fato que para mim é inegável, pois se desenrola diante de meus olhos no aparentemente banal cotidiano. A cada dia que passa, torna-se cada vez mais numerosa e variegada a ruma de gente de todas as idades suplicando uma esmolinha pelo amor de Deus nas ruas da cidade. Sem falar naqueles que batem à porta de nossas casas, hora do almoço ou do jantar, dia útil ou feriado, a pedir um adjutório para os mais diversos fins.
Uns pedem um prato de comida. Outros uma ajudinha em dinheiro para enterrar um parente, comprar remédio, inteirar uma passagem de ônibus. Claro está que dentre essa desesperada legião de deserdados da vida, muitos há que estendem humilhantemente a mão sôfrega à caridade pública pela mais premente necessidade de sobrevivência. E não se deve esquecer que todo homem tem o sagrado direito à vida. Outrossim, também coexistem, de mistura com o bagaço humano da implacável moenda social, os indefectíveis espertalhões da mendicância.
São malandros profissionais que se fingem de esmoler para ganhar a vida na maciota, faturar uns bons trocados na moleza. Tais mendigos de araque tornaram-se exímios especialistas em usar e abusar da chantagem sentimental, espicaçando nosso complexo de culpa, tentando amolecer o coração dos transeuntes. Eu não consigo resistir ao impulso de meter a mão no bolso caçando níqueis ao me deparar com um olhar tristonho de uma criança de colo toda esmulambuda, rastejando pelo chão imundo ou crucificada por entre os braços esqueléticos da mãe.
E por saberem o quanto nos comove a miséria infantil exposta degradantemente na vitrine suja das calçadas, é que muitos sabidões ou sabidonas costumam usar os próprios filhos ou rebentos de aluguel como se fossem iscas vivas pra fisgar a suposta caridade dos passantes. Faça chuva ou sol, lá estão os pescadores com seus anzóis humanos nos cruzamentos mais movimentados. E todos nós, feito um cardume de peixes afogados num mar de remorsos, findamos por ser pescados. Que triste país o nosso, em que as crianças de rua só nos despertam dois únicos sentimentos: o medo e a piedade.
link: http://www.opovo.com.br/opovo/colunas/airtonmonte/
Uns pedem um prato de comida. Outros uma ajudinha em dinheiro para enterrar um parente, comprar remédio, inteirar uma passagem de ônibus. Claro está que dentre essa desesperada legião de deserdados da vida, muitos há que estendem humilhantemente a mão sôfrega à caridade pública pela mais premente necessidade de sobrevivência. E não se deve esquecer que todo homem tem o sagrado direito à vida. Outrossim, também coexistem, de mistura com o bagaço humano da implacável moenda social, os indefectíveis espertalhões da mendicância.
São malandros profissionais que se fingem de esmoler para ganhar a vida na maciota, faturar uns bons trocados na moleza. Tais mendigos de araque tornaram-se exímios especialistas em usar e abusar da chantagem sentimental, espicaçando nosso complexo de culpa, tentando amolecer o coração dos transeuntes. Eu não consigo resistir ao impulso de meter a mão no bolso caçando níqueis ao me deparar com um olhar tristonho de uma criança de colo toda esmulambuda, rastejando pelo chão imundo ou crucificada por entre os braços esqueléticos da mãe.
E por saberem o quanto nos comove a miséria infantil exposta degradantemente na vitrine suja das calçadas, é que muitos sabidões ou sabidonas costumam usar os próprios filhos ou rebentos de aluguel como se fossem iscas vivas pra fisgar a suposta caridade dos passantes. Faça chuva ou sol, lá estão os pescadores com seus anzóis humanos nos cruzamentos mais movimentados. E todos nós, feito um cardume de peixes afogados num mar de remorsos, findamos por ser pescados. Que triste país o nosso, em que as crianças de rua só nos despertam dois únicos sentimentos: o medo e a piedade.
link: http://www.opovo.com.br/opovo/colunas/airtonmonte/
terça-feira, março 20, 2007
Deus existe? - Steve Martin
Deus existe? Essa velha pergunta simplesmente não quer sair de cena. Desde o início da história da humanidade, toda vez que alguém acha que tem a resposta, um outro vem logo contestá-lo. A questão persiste e agora repousa no éter, à espreita, para atacar estudantes universitários e, mais tarde, com os 30 anos de idade, bater em retirada, para emergir em festinhas de papo cabeça, e voltar de novo com força total nos “anos filosóficos”. Mas, antes de discutirmos essa questão complexa, permitam que eu me apresente. Sou Toby, o cavalo falante.
Ser um cavalo falante me deixa com tempo de sobra para ponderar acerca desses grandes temas. Ninguém me monta, porque simplesmente digo logo para descer. Assim, tenho muito tempo livre. Às vezes, à noite, para passar as horas, eu canto; às vezes, paquero a beldade que anda no pasto vizinho, a Lily. Às vezes, exercito meus poderes, o que é divertido. Neste preciso momento, de fato, você não lê isto. Apenas pensa que lê. Na verdade, você está ligando para o serviço telefônico do seu banco e transferindo todo o dinheiro para a minha conta.
Na maior parte do tempo, no entanto, assim como fazem muitos outros cavalos, tento fazer anagramas de cabeça. Quando você vê um cavalo parado num pasto, olhando para você, na realidade ele está tentando recombinar letras na cabeça: “amor, ramo, roma...” É coisa natural nos cavalos. A primeira coisa que faço com um problema grande como este, portanto, é repassá-lo em minha cabeça e recombinar as letras. “Deus...” Não sai muita coisa dessas letras, assim como do infecundo “existe”. Vencido o obstáculo desse pequeno exercício neurótico, estou apto a dar o passo seguinte.
Pergunte a si mesmo: preciso de fato saber a resposta para essa questão? Creio que, se for honesto consigo mesmo, você vai perceber que uma resposta do tipo sim-ou-não não iria, na verdade, mudar grande coisa na sua vida. Se bem que um não pode liberar um bocado de tempo, hoje despendido em cultos. Com efeito, não imagino que Deus seja de fato um entusiasta dos cultos. Você pode tomar por base este que lhe fala, Toby, o cavalo falante – ele é tão humilde quanto qualquer deus, e um simples obrigado é tudo o que espera.
Se me perguntar o que veio primeiro, a questão ou a crença, eu diria que a crença precedeu a questão. A questão não leva à crença; a questão leva à descrença. Por outro lado, a crença existe em quase todas as culturas humanas, se bem que às vezes a gente encontra uns povos que rezam para bonecos feitos de esterco. A crença não surge tão naturalmente em animais – o que faz de mim, um cavalo, um perfeito moderador objetivo.
Estabelecerei uma regra básica. Nada de discutir. Discutir é o que vivem fazendo na televisão, e o quê isso traz de bom? Uma grande risada de cavalo para a idéia humana de que a razão alguma vez mudou a mente de alguém. Eu poderia, se quisesse, defender a tese de que o céu é verde. E ganharia a discussão. Por quê? Porque pude estudar o bastante para deixar você encurralado a cada proposição, porque adquiri uma grande velocidade mental na controvérsia-do-céu-verde. Poderia fazer sua cabeça rodopiar com as voltas e as guinadas que eu lançaria sobre você. E sou um cavalo. Mesmo assim, poderia fazer isso. Imagine o que seria capaz de fazer um bem adestrado fornecedor de sabedoria religiosa.
Outra regra básica. Nada de definições. Nós poderíamos ficar aqui sentados até as vacas voltarem do pasto, o que no meu mundo não é uma metáfora, discutindo definições de palavras importantes. Mas, permita que eu lhe diga, não vamos chegar a parte alguma. Seria fácil reduzir a questão da existência de Deus a um problema de semântica. Mas já ultrapassamos essa fase. Estou feliz por meu nome ser Toby, pois isso prova a minha tese. Sou minha própria definição. Não sou “Estrela”, ou “Brasa”, ou “Corisco”, ou nenhum outro nome. Deixemos que, assim como eu, Deus seja a sua própria definição.
Tenho de lhe dizer uma coisa a respeito de Lily. Ela tem uma crina amarela. Estava justamente pensando nela.
Outra coisa: por favor, não use a expressão “religião organizada”. Já sei onde você quer chegar, e esse argumento só serve para universitários que querem ter alguma coisa para falar quando fumam maconha. Já deixamos essa discussão para trás há muito tempo.
Talvez você não tenha meios de compreender como é linda uma crina amarela. Bem, em Lily, isso é lindo. Às vezes, de noite, ela se esgueira rente à cerca, vem para perto de mim e suspira seu hálito quente no meu nariz. Esfrego minha cabeça na sua crina amarela, e o cheiro fica grudado em mim até de manhã. Ela tem também um cu fantástico. Ah, esqueci. Você é um ser humano e acha isso vulgar. Lily é a coisa mais parecida com Deus que já vi. Ela é corpórea e espiritual, e olha para mim, encosta-se em mim, balança a sua crina de modo que fica roçando em mim e, embora ela não saiba falar, nesses momentos é como se dissesse: “Toby”.
Lily... Toby... Toby... Lily...
Há certas pessoas que parecem saber que a resposta para a nossa questão é afirmativa. Isso as leva a querer envergar mantos, capas, túnicas e uns chapéus especiais, ou usar maquiagem bem pesada e pentear o cabelo muito alto. Outras pessoas parecem acreditar no contrário. Algumas pessoas se sentem bem com isso, mas outras podem ficar bem abatidas. Para tais pessoas, existe uma palavra especial, estrangeira, de uma vogal e várias consoantes nervosas: angst. Da qual também não saem anagramas.
Na certa você está pensando que, se não podemos usar lógica, se não podemos argumentar, se não podemos definir, como é que vamos chegar a uma resposta? Bem, se você fosse eu, não ficaria preocupado. Mas você tem receio das duas pernas que lhe faltam para ser como eu. Sugiro, pois, que faça o que eu faço: numa determinada noite, masque demoradamente um bom fardo de feno e um punhado de aveia. Retire seus antolhos e se deixe ficar num grande descampado, incline a cabeça para trás e contemple as estrelas. Você vai saber que existe um Deus.
Depois, um dia, quando as coisas não estiverem correndo muito bem para o seu lado, pare e reflita sobre a questão. Vai saber que não existe Deus nenhum. Para um cavalo, duas idéias contraditórias podem ser ambas verdadeiras, ao mesmo tempo. É isso o que me separa de você. É por isso que o cavalo não inventou o computador, mas inventou – e pouca gente sabe disso – o sofá. Uma vez que você permita que idéias incompatíveis coexistam em seu cérebro, estará no rumo certo para virar uma boa besta de carga. Aqui está uma pitada de juízo de cavalo, saído de minha própria cocheira: qualquer resposta que escolher, a qualquer momento, será a resposta correta. E se algum sabidinho elegante, de lábios contraídos, de cabelinho raspado rente, vier contestá-lo, é só dizer que aprendeu isso com Toby, o cavalo falante.
fonte: http://www.revistapiaui.com.br/
No escuro, todos são iguais - Silvia Curiati
Inácio não enxergava quase nada, sofria desde os 10 anos de idade com 16 graus de miopia.
Para as lentes dos óculos não ficarem tão grandes e desproporcionais sobre seu nariz aquilino, ele balanceava: parte dos graus em lentes de contato, e a outra parte no vidro anti-reflexo. Portanto, para Inácio, não havia nada mais comum que encontro às escuras.
Fez isso a vida toda – tirava os óculos, ia só de lente para não fazer feio. Ou melhor, não ficar feio.
Gelza sofria de cegueira noturna. Durante o dia vivia como um ser humano qualquer, comentando sobre os mosquitos que sobrevoavam sua mesa no escritório e as formiguinhas que insistiam em fazer fila indiana na pia de sua cozinha, todo ano, na primavera. Já à noite, era um desastre. A conta de luz vinha quilométrica devido à energia que gastava em sua casa para que tudo se mantivesse como se ainda fossem três da tarde.
Inácio era amigo de Lúcio, primo de Gelza.
Lúcio comentou com Inácio que tinha uma prima boazuda e solteira, não nesta ordem, nem nestes termos.
Inácio comentou com Lúcio que estava no queijão*, assim, nestes termos mesmo.
Provavelmente antes de Lúcio falar de Gelza.
Lúcio, que adorava provocar situações constrangedoras entre as pessoas, colocou Inácio e Gelza na sua janela do Messenger, para um bate-papo informal.
O casal de desconhecidos adicionou-se mutuamente e, dois dias depois, marcaram de sair para formalizar a pretensa amizade. Um jantar.
Inácio escolheu estrategicamente um restaurante romântico, à luz de velas. Com o ambiente escurecido sentia-se mais confortável e protegido, já que suas lentes espessas deixavam seus olhos levemente esbugalhados.
Gelza, quando entrou no lugar, surtou. Internamente, claro. Não queria aparentar esquizofrenia, além de seu outro defeito congênito.
O fato é: foi um legítimo encontro às escuras. Um desastre completo. Obviamente, depois de uns beijos e amassos, nunca mais nem se falaram.
*termo que denota a ausência de atividade sexual por um longo período. Apenas desconfia-se da razão de o nome ser o mesmo de algo que é praticamente leite podre, mas nada é comprovado cientificamente.
Para as lentes dos óculos não ficarem tão grandes e desproporcionais sobre seu nariz aquilino, ele balanceava: parte dos graus em lentes de contato, e a outra parte no vidro anti-reflexo. Portanto, para Inácio, não havia nada mais comum que encontro às escuras.
Fez isso a vida toda – tirava os óculos, ia só de lente para não fazer feio. Ou melhor, não ficar feio.
Gelza sofria de cegueira noturna. Durante o dia vivia como um ser humano qualquer, comentando sobre os mosquitos que sobrevoavam sua mesa no escritório e as formiguinhas que insistiam em fazer fila indiana na pia de sua cozinha, todo ano, na primavera. Já à noite, era um desastre. A conta de luz vinha quilométrica devido à energia que gastava em sua casa para que tudo se mantivesse como se ainda fossem três da tarde.
Inácio era amigo de Lúcio, primo de Gelza.
Lúcio comentou com Inácio que tinha uma prima boazuda e solteira, não nesta ordem, nem nestes termos.
Inácio comentou com Lúcio que estava no queijão*, assim, nestes termos mesmo.
Provavelmente antes de Lúcio falar de Gelza.
Lúcio, que adorava provocar situações constrangedoras entre as pessoas, colocou Inácio e Gelza na sua janela do Messenger, para um bate-papo informal.
O casal de desconhecidos adicionou-se mutuamente e, dois dias depois, marcaram de sair para formalizar a pretensa amizade. Um jantar.
Inácio escolheu estrategicamente um restaurante romântico, à luz de velas. Com o ambiente escurecido sentia-se mais confortável e protegido, já que suas lentes espessas deixavam seus olhos levemente esbugalhados.
Gelza, quando entrou no lugar, surtou. Internamente, claro. Não queria aparentar esquizofrenia, além de seu outro defeito congênito.
O fato é: foi um legítimo encontro às escuras. Um desastre completo. Obviamente, depois de uns beijos e amassos, nunca mais nem se falaram.
*termo que denota a ausência de atividade sexual por um longo período. Apenas desconfia-se da razão de o nome ser o mesmo de algo que é praticamente leite podre, mas nada é comprovado cientificamente.
terça-feira, março 13, 2007
Aos que virão depois de nós - Bertolt Brecht
I
Eu vivo em tempos sombrios.
Uma linguagem sem malícia é sinal de
estupidez,
uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ainda ri é porque ainda não
recebeu a terrível notícia.
Que tempos são esses, quando
falar sobre flores é quase um crime.
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?
Aquele que cruza tranqüilamente a rua
já está então inacessível aos amigos
que se encontram necessitados?
É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso. Nado do que eu faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado.
(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)
Dizem-me: come e bebe!
Fica feliz por teres o que tens!
Mas como é que posso comer e beber,
se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?
se o copo de água que eu bebo, faz falta a
quem tem sede?
Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.
Eu queria ser um sábio.
Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:
Manter-se afastado dos problemas do mundo
e sem medo passar o tempo que se tem para
viver na terra;
Seguir seu caminho sem violência,
pagar o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.
Sabedoria é isso!
Mas eu não consigo agir assim.
É verdade, eu vivo em tempos sombrios!
II
Eu vim para a cidade no tempo da desordem,
quando a fome reinava.
Eu vim para o convívio dos homens no tempo
da revolta
e me revoltei ao lado deles.
Assim se passou o tempo
que me foi dado viver sobre a terra.
Eu comi o meu pão no meio das batalhas,
deitei-me entre os assassinos para dormir,
Fiz amor sem muita atenção
e não tive paciência com a natureza.
Assim se passou o tempo
que me foi dado viver sobre a terra.
III
Vocês, que vão emergir das ondas
em que nós perecemos, pensem,
quando falarem das nossas fraquezas,
nos tempos sombrios
de que vocês tiveram a sorte de escapar.
Nós existíamos através da luta de classes,
mudando mais seguidamente de países que de
sapatos, desesperados!
quando só havia injustiça e não havia revolta.
Nós sabemos:
o ódio contra a baixeza
também endurece os rostos!
A cólera contra a injustiça
faz a voz ficar rouca!
Infelizmente, nós,
que queríamos preparar o caminho para a
amizade,
não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.
Mas vocês, quando chegar o tempo
em que o homem seja amigo do homem,
pensem em nós
com um pouco de compreensão.
Eu vivo em tempos sombrios.
Uma linguagem sem malícia é sinal de
estupidez,
uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ainda ri é porque ainda não
recebeu a terrível notícia.
Que tempos são esses, quando
falar sobre flores é quase um crime.
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?
Aquele que cruza tranqüilamente a rua
já está então inacessível aos amigos
que se encontram necessitados?
É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso. Nado do que eu faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado.
(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)
Dizem-me: come e bebe!
Fica feliz por teres o que tens!
Mas como é que posso comer e beber,
se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?
se o copo de água que eu bebo, faz falta a
quem tem sede?
Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.
Eu queria ser um sábio.
Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:
Manter-se afastado dos problemas do mundo
e sem medo passar o tempo que se tem para
viver na terra;
Seguir seu caminho sem violência,
pagar o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.
Sabedoria é isso!
Mas eu não consigo agir assim.
É verdade, eu vivo em tempos sombrios!
II
Eu vim para a cidade no tempo da desordem,
quando a fome reinava.
Eu vim para o convívio dos homens no tempo
da revolta
e me revoltei ao lado deles.
Assim se passou o tempo
que me foi dado viver sobre a terra.
Eu comi o meu pão no meio das batalhas,
deitei-me entre os assassinos para dormir,
Fiz amor sem muita atenção
e não tive paciência com a natureza.
Assim se passou o tempo
que me foi dado viver sobre a terra.
III
Vocês, que vão emergir das ondas
em que nós perecemos, pensem,
quando falarem das nossas fraquezas,
nos tempos sombrios
de que vocês tiveram a sorte de escapar.
Nós existíamos através da luta de classes,
mudando mais seguidamente de países que de
sapatos, desesperados!
quando só havia injustiça e não havia revolta.
Nós sabemos:
o ódio contra a baixeza
também endurece os rostos!
A cólera contra a injustiça
faz a voz ficar rouca!
Infelizmente, nós,
que queríamos preparar o caminho para a
amizade,
não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.
Mas vocês, quando chegar o tempo
em que o homem seja amigo do homem,
pensem em nós
com um pouco de compreensão.
Sessão da Tarde e cavalos falantes - Silvia Curiati
Incorpore um sotaque caipira forte, daquele que puxa os Rs com vontade. Agora diga em voz alta “éR, déRdi, rícher”.
Era exatamente o que eu ouvia quando o locutor, após a apresentação de um filme, concluía: “Versão brasileira, Herbert Richards”. Normalmente, estes eram os mais legais. Aqueles cuja versão brasileira era Álamo, com uma voz de mesmo timbre daquela do locutor que anunciava no SBT “Ghandiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii”, com aquele “i” grave e eterno, eram meio toscos.
Tenho um problema com alguns roteiros.
Não entendo até hoje o que leva pessoas a fazerem filmes com cavalos falando. Nada mais chato e imbecil. O cavalo era sempre lindo, a criança tinha voz de boba e a maior tensão era o fato de ele não ganhar uma corrida ou de ela não conseguir montá-lo. Quando a atração da Sessão da Tarde era um ser relinchante de rabo que conseguia formar frases melhores que as minhas, eu resolvia dar trabalho à minha mãe e aprontar alguma em casa. Porque é absolutamente inaceitável gostar de uma porcaria destas.
Meu negócio eram as aventuras, os leves suspenses, ou aquelas comédias tipo Jerry Lewis ou Day-Hudson. Coisas que não me tratassem como uma completa imbecil.
Aliás, meu negócio era mais simbólico que qualquer outra coisa. Sessão da Tarde é a representação mais pura do ócio. É o que te perguntam se você esta assistindo quando falta ao trabalho. Combina com Danette, brigadeiro, biscoitos recheados, pipoca. Também é um ícone da doença infecto-contagiosa, do trio canja-cobertor-termômetro. Me lembra imediatamente “pneumonia”, uma das três que tive.
E me lembra que há muito não invento uma boa desculpa para ver se existem novas gerações de cavalos falantes.
Era exatamente o que eu ouvia quando o locutor, após a apresentação de um filme, concluía: “Versão brasileira, Herbert Richards”. Normalmente, estes eram os mais legais. Aqueles cuja versão brasileira era Álamo, com uma voz de mesmo timbre daquela do locutor que anunciava no SBT “Ghandiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii”, com aquele “i” grave e eterno, eram meio toscos.
Tenho um problema com alguns roteiros.
Não entendo até hoje o que leva pessoas a fazerem filmes com cavalos falando. Nada mais chato e imbecil. O cavalo era sempre lindo, a criança tinha voz de boba e a maior tensão era o fato de ele não ganhar uma corrida ou de ela não conseguir montá-lo. Quando a atração da Sessão da Tarde era um ser relinchante de rabo que conseguia formar frases melhores que as minhas, eu resolvia dar trabalho à minha mãe e aprontar alguma em casa. Porque é absolutamente inaceitável gostar de uma porcaria destas.
Meu negócio eram as aventuras, os leves suspenses, ou aquelas comédias tipo Jerry Lewis ou Day-Hudson. Coisas que não me tratassem como uma completa imbecil.
Aliás, meu negócio era mais simbólico que qualquer outra coisa. Sessão da Tarde é a representação mais pura do ócio. É o que te perguntam se você esta assistindo quando falta ao trabalho. Combina com Danette, brigadeiro, biscoitos recheados, pipoca. Também é um ícone da doença infecto-contagiosa, do trio canja-cobertor-termômetro. Me lembra imediatamente “pneumonia”, uma das três que tive.
E me lembra que há muito não invento uma boa desculpa para ver se existem novas gerações de cavalos falantes.
segunda-feira, março 12, 2007
domingo, março 11, 2007
Charles Bukowski
sexta-feira, março 09, 2007
Capitão América é alvejado e morto
Lenda viva é assassinada nas escadarias da Corte Federal
NOVA YORK - Esta manhã, reportamos a tentativa de assassinato de um ex-super-herói. Agora vimos confirmar que a vítima foi identificada como Steve Rogers, também conhecido como Capitão América. Rogers foi dado como morto no Mercy Hospital, devido a ferimentos causados por tiros no ombro, peito e estômago.
Testemunhas afirmam que a primeira bala, que feriu Rogers no ombro, veio de um atirador localizado no topo de um dos edifícios próximos à Corte Federal. Diversos outros tiros foram disparados durante o conflito, atingindo Rogers no peito e estômago, mas testemunhas que presenciaram a cena, assim como os policiais que estavam escoltando Rogers, reportaram que somente um atirador disparou os tiros.
A identidade do(s) assassino(s), assim como a origem de outros tiros, ainda não foi revelada. Agentes da S.H.I.E.L.D., do FBI e da polícia local estão trabalhando juntos na investigação e vistoriando os edifícios dada área. Um porta-voz da S.H.I.E.L.D. não quis fazer comentários sobre o tiroteio, informando que mais detalhes serão conhecidos conforme avançarem as investigações.
Rogers, um veterano da 2.ª Guerra Mundial, e que foi dado como desaparecido com o fim do conflito, retornou à ação décadas depois e combateu nos primeiros tempos dos Vingadores. Esteve no front principal dos heróis americanos até recentemente, quando se opôs violentamente à lei do governo americano, o Superhero Registration Act. Como Capitão América, Rogers combateu as forças do ato pró-registro, até se render em Manhattan, ficando sob a custódia da S.H.I.E.L.D. Estava a caminho de sua audiência quando foi atingido essa manhã."
Para mais detalhes sobre o tiroteio, leia Captain America n.º 25. Para mais informações sobre o Capitão América e os acontecimentos, continue lendo o Clarim Diário.
NOVA YORK - Esta manhã, reportamos a tentativa de assassinato de um ex-super-herói. Agora vimos confirmar que a vítima foi identificada como Steve Rogers, também conhecido como Capitão América. Rogers foi dado como morto no Mercy Hospital, devido a ferimentos causados por tiros no ombro, peito e estômago.
Testemunhas afirmam que a primeira bala, que feriu Rogers no ombro, veio de um atirador localizado no topo de um dos edifícios próximos à Corte Federal. Diversos outros tiros foram disparados durante o conflito, atingindo Rogers no peito e estômago, mas testemunhas que presenciaram a cena, assim como os policiais que estavam escoltando Rogers, reportaram que somente um atirador disparou os tiros.
A identidade do(s) assassino(s), assim como a origem de outros tiros, ainda não foi revelada. Agentes da S.H.I.E.L.D., do FBI e da polícia local estão trabalhando juntos na investigação e vistoriando os edifícios dada área. Um porta-voz da S.H.I.E.L.D. não quis fazer comentários sobre o tiroteio, informando que mais detalhes serão conhecidos conforme avançarem as investigações.
Rogers, um veterano da 2.ª Guerra Mundial, e que foi dado como desaparecido com o fim do conflito, retornou à ação décadas depois e combateu nos primeiros tempos dos Vingadores. Esteve no front principal dos heróis americanos até recentemente, quando se opôs violentamente à lei do governo americano, o Superhero Registration Act. Como Capitão América, Rogers combateu as forças do ato pró-registro, até se render em Manhattan, ficando sob a custódia da S.H.I.E.L.D. Estava a caminho de sua audiência quando foi atingido essa manhã."
Para mais detalhes sobre o tiroteio, leia Captain America n.º 25. Para mais informações sobre o Capitão América e os acontecimentos, continue lendo o Clarim Diário.
terça-feira, março 06, 2007
segunda-feira, março 05, 2007
Sonho de voar - Silvia Curiati
Enquanto os balões amarelos não ficavam prontos, Liana se contorcia no tapete do seu quarto de tanto rir da voz de seu pai, que vez ou outra engolia o que chegaria perto de meio copo de gás hélio, se este pudesse ser medido como líquidos, para alegrar a menina.
Gordinha ativa, cabelos loirinhos sempre amarrados em chiquinhas, Liana era o tipo de menina que encantava a todos com sua esperteza. Muito inteligente, falava coisas que ninguém imaginaria ouvir saídas da boca de uma criança de 5 anos.
Sua meta era voar. Por isso, quando passou em frente ao ponto de venda de um empreendimento imobiliário onde um grupo de promotoras amarrava balões nos postes e notou um deles escapando rumo ao céu, voando inatingível, teve certeza que aquelas seriam suas asas.
"Amarelas", pediu ao pai, falando com dificuldade a letra R.
Ansiosa, esticou os bracinhos brancos abrindo as mãos, cheias de covinhas onde a pele era fofa, em direção ao pai, que entendeu o pedido e imediatamente amarrou dois balões amarelos em cada pulso da menina.
Os minutos seguintes foram pontuados por um descontentamento silencioso. Com os olhos úmidos, ela fitava suas asas amarelas e não compreendia a razão de estar em terra firme, ainda. Olhou para o pai e disse:
- Foi porque eu comi aquele chocolate antes do almoço e você disse que era porcaria que engorda? Fiquei pesada?
Com pena, o pai sorriu. Disse que esperasse um momento e resolveria seu problema.
Voltou com óculos de brinquedo, de lentes cobertas por um papel colorido. Colocou-os no rosto de Liana, que achou a brincadeira engraçada, mesmo sem dar muito crédito ao que viria pela frente por não ter idéia de como continuar. Enquanto ela esperava imóvel (porque crianças, quando são privadas de sua visão ficam estáticas, ainda que em posição de ataque, mantendo um sorriso maroto nos lábios entreabertos), o pai buscou sua velha bicicleta, aquela que já sofria com reumatismo e artrite, e colocou a cadeirinha da pequena onde encaixava. Ensaiou uma pedalada, funcionava.
Voltou triunfante, como só os pais que realizam os sonhos dos filhos entenderiam. Colocou a menina na cadeirinha, atou os cintos de segurança e saiu pedalando pelas ruas, o mais rápido que podia, enquanto gritava "abra as asas, bata as asinhas, para cima e para baixo!".
Liana mal cabia em si, sufocada com o ar no rosto e aquela sensação de liberdade e de meta alcançada que ela só viria a compreender mais velha, quando conseguisse vencer um jogo no colégio, conquistar o menino mais bonito da turma, passar no vestibular ou ser contratada pela empresa que desejasse.
De qualquer forma, aquele foi o momento mais feliz na vida dos dois.
Gordinha ativa, cabelos loirinhos sempre amarrados em chiquinhas, Liana era o tipo de menina que encantava a todos com sua esperteza. Muito inteligente, falava coisas que ninguém imaginaria ouvir saídas da boca de uma criança de 5 anos.
Sua meta era voar. Por isso, quando passou em frente ao ponto de venda de um empreendimento imobiliário onde um grupo de promotoras amarrava balões nos postes e notou um deles escapando rumo ao céu, voando inatingível, teve certeza que aquelas seriam suas asas.
"Amarelas", pediu ao pai, falando com dificuldade a letra R.
Ansiosa, esticou os bracinhos brancos abrindo as mãos, cheias de covinhas onde a pele era fofa, em direção ao pai, que entendeu o pedido e imediatamente amarrou dois balões amarelos em cada pulso da menina.
Os minutos seguintes foram pontuados por um descontentamento silencioso. Com os olhos úmidos, ela fitava suas asas amarelas e não compreendia a razão de estar em terra firme, ainda. Olhou para o pai e disse:
- Foi porque eu comi aquele chocolate antes do almoço e você disse que era porcaria que engorda? Fiquei pesada?
Com pena, o pai sorriu. Disse que esperasse um momento e resolveria seu problema.
Voltou com óculos de brinquedo, de lentes cobertas por um papel colorido. Colocou-os no rosto de Liana, que achou a brincadeira engraçada, mesmo sem dar muito crédito ao que viria pela frente por não ter idéia de como continuar. Enquanto ela esperava imóvel (porque crianças, quando são privadas de sua visão ficam estáticas, ainda que em posição de ataque, mantendo um sorriso maroto nos lábios entreabertos), o pai buscou sua velha bicicleta, aquela que já sofria com reumatismo e artrite, e colocou a cadeirinha da pequena onde encaixava. Ensaiou uma pedalada, funcionava.
Voltou triunfante, como só os pais que realizam os sonhos dos filhos entenderiam. Colocou a menina na cadeirinha, atou os cintos de segurança e saiu pedalando pelas ruas, o mais rápido que podia, enquanto gritava "abra as asas, bata as asinhas, para cima e para baixo!".
Liana mal cabia em si, sufocada com o ar no rosto e aquela sensação de liberdade e de meta alcançada que ela só viria a compreender mais velha, quando conseguisse vencer um jogo no colégio, conquistar o menino mais bonito da turma, passar no vestibular ou ser contratada pela empresa que desejasse.
De qualquer forma, aquele foi o momento mais feliz na vida dos dois.
quinta-feira, março 01, 2007
terça-feira, fevereiro 27, 2007
Pantera - Walk
Cant you see Im easily bothered by persistence
One step from lashing out at you...
You want in to get under my skin
And call yourself a friend
Ive got more friends like you
What do I do?
(pre) is there no standard anymore?
What it takes, who I am, where Ive been
Belong
You cant be something youre not
Be yourself, by yourself
Stay away from me
A lesson learned in life
Known from the dawn of time
(chorus) respect, walk
Run your mouth when Im not around
Its easy to achieve
You cry to weak friends that sympathize
Can you hear the violins playing you song?
Those same friends tell me your every word
(pre)
(chorus)
Are you talking to me?
No way punk
Charles Bukowski: um pouco do velho safado
"Tudo bem, Deus, digamos que Você esteja mesmo aí. Foi Você que me colocou nesta. Você queria me testar. E que tal se eu O testasse? E que tal se eu dissesse que Você não está aí? Você já me expôs ao teste supremo me dando esses pais e estas espinhas. Acho que passei no Seu teste. Sou mais durão do que Você. Se Você tivesse coragem de descer aqui, agora, eu cuspiria na Sua cara, se é que Você tem cara. E Você caga? O padre nunca respondeu a essa questão. Ele nos disse para não duvidarmos. Duvidar do quê? Acho que você já passou doslimites comigo, por isso, desafio-O a descer até aqui para que eu possa aplicar o meu teste em Você!Esperei. Nada. Esperei por Deus. Esperei infinitamente. Acho que peguei no sono.
Deus é só mais um bundão!"
Brujeria - Revolución
Oygan o se chingan, no sean pendejos
Gobierno de Mexico ya vale madre
P.R.I. manda todo, son comunistas
Indios y pobres, no tienen chanzas
Donde estan todos los topos
En la selva ya estan
En la ciudad hay que comenzar
Hay que meterse en cada rincon
Cabrones del P.R.I. - comunismo
Despierten todos - revolucian
Con machetes - armanse
Ejercitos indios - zapatistas
Comandante Marcos - mandanos
Cubre tu cara - subterraneo
Son topos guerrilleros - revolucian
Son topos locos!!! - revolucian
Viva Zapata, Viva Chiapas
Viva Mexico, Viva la revolucian
No sean coyones - haganse hombres
Ya empezaron - hay que acabarlo
Quieren ser ratas or quieren ser hombres
Si no pa' ti - por tus hijos
Comunismo, satanismo, P.R.I.- es lo mismo
Gaiolas e asas - Rubem Alves
Os pensamentos me chegam de forma inesperada, sob a forma de aforismos. Fico feliz porque sei que Lichtenberg, William Blake e Nietzsche frequentemente eram também atacados por eles. Digo "atacados" porque eles surgem repentinamente, sem preparo, com a força de um raio. Aforismos são visões: fazem ver, sem explicar. Pois ontem, de repente, esse aforismo me atacou: "Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas".
Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-las para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo.
Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são os pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.
Esse simples aforismo nasceu de um sofrimento: sofri conversando com professoras de segundo grau, em escolas de periferia. O que elas contam são relatos de horror e medo. Balbúrdia, gritaria, desrespeito, ofensas, ameaças... E elas, timidamente, pedindo silêncio, tentando fazer as coisas que a burocracia determina que sejam feitas, como dar o programa, fazer avaliações... Ouvindo os seus relatos, vi uma jaula cheia de tigres famintos, dentes arreganhados, garras à mostra - e a domadoras com seus chicotes, fazendo ameaças fracas demais para a força dos tigres.
Sentir alegria ao sair de casa para ir à escola? Ter prazer em ensinar? Amar os alunos? O sonho é livrar-se de tudo aquilo. Mas não podem. A porta de ferro que fecha os tigres é a mesma porta que as fecha com os tigres.
Nos tempos de minha infância, eu tinha um prazer cruel: pegar passarinhos. Fazia minhas próprias arapucas, punha fubá dentro e ficava escondido, esperando... O pobre passarinho vinha, atraído pelo fubá. Ia comendo, entrava na arapuca e pisava no poleiro. E era uma vez um passarinho voante. Cuidadosamente eu enfiava a mão na arapuca, pegava o passarinho e o colocava dentro de uma gaiola. O pássaro se lançava furiosamente contra os arames, batia as asas, crispava as garras e enfiava o bico entre os vãos. Na inútil tentativa de ganhar de novo o espaço, ficava ensanguentado... Sempre me lembro com tristeza da minha crueldade infantil.
Violento, o pássaro que luta contra os arames da gaiola? Ou violenta será a imóvel gaiola que o prende? Violentos, os adolescentes de periferia? Ou serão as escolas que são violentas? As escolas serão gaiolas? Vão me falar sobre a necessidade das escolas dizendo que os adolescentes de periferia precisam ser educados para melhorarem de vida. De acordo. É preciso que os adolescentes, que todos, tenham uma boa educação. Uma boa educação abre os caminhos de uma vida melhor. Mas eu pergunto: nossas escolas estão dando uma boa educação? O que é uma boa educação?
O que os burocratas pressupõe sem pensar é que os alunos ganham uma boa educação se aprendem os conteúdos dos programas oficiais. E, para testar a qualidade da educação, criam mecanismos, provas e avaliações, acrescidos dos novos exames elaborados pelo Ministério da Educação.
Mas será mesmo? Será que a aprendizagem dos programas oficiais se identifica com o ideal de uma boa educação? Você sabe o que é "dígrafo"? E os usos da partícula "se"? E o nome das enzimas que entram na digestão? E o sujeito da frase "Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heróico o brado retumbante"? Qual a utilidade da palavra "mesóclise"? Pobres professoras, também engaioladas... São obrigadas a ensinar o que os programas mandam, sabendo que é inútil. Isso é hábito velho das escolas. Bruno Bettelheim relata sua experiência com as escolas: "Fui forçado (!) a estudar o que os professores haviam decidido que eu deveria aprender. E aprender à sua maneira".
O sujeito da educação é o corpo, porque é nele que está a vida. É o corpo que quer aprender para poder viver. É ele que dá as ordens. A inteligência é um instrumento do corpo cuja função é ajudá-lo a viver. Nietzsche dizia que ela, a inteligência, era "ferramenta" e "brinquedo" do corpo. Nisso se resume o programa educacional do corpo: aprender "ferramentas", aprender "brinquedos".
"Ferramentas" são conhecimentos que nos permitem resolver os problemas vitais do dia-a-dia. "Brinquedos" são todas aquelas coisas que, não tendo nenhuma utilidade como ferramentas, dão prazer e alegria à alma.
Nessas duas palavras, ferramentas e brinquedos, está o resumo da educação. Ferramentas e brinquedos não são gaiolas. São asas. Ferramentas me permitem voar pelos caminhos do mundo.
Brinquedos me permitem voar pelos caminhos da alma. Quem está aprendendo ferramentas e brinquedos está aprendendo liberdade, não fica violento. Fica alegre, vendo as asas crescer... Assim todo professor, ao ensinar, teria de se perguntar: "Isso que vou ensinar, é ferramenta? É brinquedo?" Se não for, é melhor deixar de lado.
As estatísticas oficiais anunciam o aumento das escolas e o aumento dos alunos matriculados. Esses dados não me dizem nada. Não me dizem se são gaiolas ou asas. Mas eu sei que há professores que amam o vôo dos seus alunos.
Há esperança...
Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-las para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo.
Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são os pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.
Esse simples aforismo nasceu de um sofrimento: sofri conversando com professoras de segundo grau, em escolas de periferia. O que elas contam são relatos de horror e medo. Balbúrdia, gritaria, desrespeito, ofensas, ameaças... E elas, timidamente, pedindo silêncio, tentando fazer as coisas que a burocracia determina que sejam feitas, como dar o programa, fazer avaliações... Ouvindo os seus relatos, vi uma jaula cheia de tigres famintos, dentes arreganhados, garras à mostra - e a domadoras com seus chicotes, fazendo ameaças fracas demais para a força dos tigres.
Sentir alegria ao sair de casa para ir à escola? Ter prazer em ensinar? Amar os alunos? O sonho é livrar-se de tudo aquilo. Mas não podem. A porta de ferro que fecha os tigres é a mesma porta que as fecha com os tigres.
Nos tempos de minha infância, eu tinha um prazer cruel: pegar passarinhos. Fazia minhas próprias arapucas, punha fubá dentro e ficava escondido, esperando... O pobre passarinho vinha, atraído pelo fubá. Ia comendo, entrava na arapuca e pisava no poleiro. E era uma vez um passarinho voante. Cuidadosamente eu enfiava a mão na arapuca, pegava o passarinho e o colocava dentro de uma gaiola. O pássaro se lançava furiosamente contra os arames, batia as asas, crispava as garras e enfiava o bico entre os vãos. Na inútil tentativa de ganhar de novo o espaço, ficava ensanguentado... Sempre me lembro com tristeza da minha crueldade infantil.
Violento, o pássaro que luta contra os arames da gaiola? Ou violenta será a imóvel gaiola que o prende? Violentos, os adolescentes de periferia? Ou serão as escolas que são violentas? As escolas serão gaiolas? Vão me falar sobre a necessidade das escolas dizendo que os adolescentes de periferia precisam ser educados para melhorarem de vida. De acordo. É preciso que os adolescentes, que todos, tenham uma boa educação. Uma boa educação abre os caminhos de uma vida melhor. Mas eu pergunto: nossas escolas estão dando uma boa educação? O que é uma boa educação?
O que os burocratas pressupõe sem pensar é que os alunos ganham uma boa educação se aprendem os conteúdos dos programas oficiais. E, para testar a qualidade da educação, criam mecanismos, provas e avaliações, acrescidos dos novos exames elaborados pelo Ministério da Educação.
Mas será mesmo? Será que a aprendizagem dos programas oficiais se identifica com o ideal de uma boa educação? Você sabe o que é "dígrafo"? E os usos da partícula "se"? E o nome das enzimas que entram na digestão? E o sujeito da frase "Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heróico o brado retumbante"? Qual a utilidade da palavra "mesóclise"? Pobres professoras, também engaioladas... São obrigadas a ensinar o que os programas mandam, sabendo que é inútil. Isso é hábito velho das escolas. Bruno Bettelheim relata sua experiência com as escolas: "Fui forçado (!) a estudar o que os professores haviam decidido que eu deveria aprender. E aprender à sua maneira".
O sujeito da educação é o corpo, porque é nele que está a vida. É o corpo que quer aprender para poder viver. É ele que dá as ordens. A inteligência é um instrumento do corpo cuja função é ajudá-lo a viver. Nietzsche dizia que ela, a inteligência, era "ferramenta" e "brinquedo" do corpo. Nisso se resume o programa educacional do corpo: aprender "ferramentas", aprender "brinquedos".
"Ferramentas" são conhecimentos que nos permitem resolver os problemas vitais do dia-a-dia. "Brinquedos" são todas aquelas coisas que, não tendo nenhuma utilidade como ferramentas, dão prazer e alegria à alma.
Nessas duas palavras, ferramentas e brinquedos, está o resumo da educação. Ferramentas e brinquedos não são gaiolas. São asas. Ferramentas me permitem voar pelos caminhos do mundo.
Brinquedos me permitem voar pelos caminhos da alma. Quem está aprendendo ferramentas e brinquedos está aprendendo liberdade, não fica violento. Fica alegre, vendo as asas crescer... Assim todo professor, ao ensinar, teria de se perguntar: "Isso que vou ensinar, é ferramenta? É brinquedo?" Se não for, é melhor deixar de lado.
As estatísticas oficiais anunciam o aumento das escolas e o aumento dos alunos matriculados. Esses dados não me dizem nada. Não me dizem se são gaiolas ou asas. Mas eu sei que há professores que amam o vôo dos seus alunos.
Há esperança...
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